A COISA PODE PIORAR?

Foi numa daquelas noites quentes de verão. No salão de festas meninas por volta dos quinze anos, vestiam vestidos rodados com saiotes engomados por baixo. Rapazes olheirentos com caras de nerd, devido às masturbações, espinhas na cara e brilhantina nos cabelos, usavam ternos mal cortados e gravatinhas estreitas.

A festa comemorava os quinze anos da filha mais nova de um industrial. Estava tudo ali, salgados, doces e um bolo branco. Havia uma poncheira de cristal com aquela mistura adocicada de espumante de cidra e pedacinhos de maçã, onde os convivas enchiam as taças com uma concha e sorviam aquela coisa horrorosa para depois babar.

Além dos jovens, pessoas com maior idade incluindo os pais e avós da jovem aniversariante, sacolejavam ao som de um conjunto musical.

A coisa pode piorar? Pode!

Janelas abertas e ventiladores ruidosos, todos esperando que uma fresca brisa viesse amenizar o calor. Em determinado momento uma esvoaçante barata com asas de goma-laca, invadiu o ambiente a flutuar sobre os convidados e todos fizeram:

– Oooohhh!

A coisa pode piorar? Pode!

Alguns se abaixaram, outros tentaram atingir a barata com um tapa, mas ela esquivou-se e célere escondeu-se sob um bufê.

A coisa pode piorar? Pode!

Pelas janelas ingressou no recinto uma segunda barata. Talvez cônjuge da primeira ou provavelmente sua amasia.

– Oooohhh! Fizeram todos.

A danada foi aterrissar na borda da poncheira de cristal.

O avô da debutante, que portava uma bengala com detalhes em prata, gritou:

– Deixa comigo! Aproximou-se da poncheira, fez pontaria e zap! Acertou em cheio a pobre poncheira que se espatifou, lançando o líquido ao chão, entre cacos.

– Oooohhh! Fizeram todos.

A coisa pode piorar? Pode!

A barata após esquivar-se do golpe foi aboletar-se no cangote de uma gorda senhora, que entrou em pânico e começou a gritar desesperada.

O avô, empunhando a bengala, fez uma segunda tentativa para abater o milenar inseto. Fez pontaria e acabou acertando o cangote da mulher que uivou de dor. O inseto foi lançado ao chão onde caiu agonizante, sendo pisoteado por heróicos e impetuosos infantes.

Todos respiraram aliviados.

A coisa pode piorar? Pode!

A barata que se escondera sob o bufê da sala reapareceu e começou a esvoaçar e todos exclamaram:

– Oooohhh! Mata ela! Mata ela!

A coisa pode piorar? Pode!

Enquanto as domésticas não chegavam para limpar o salão, a barata começou a bebericar o ponche do chão e creio que ficou doidona.

Da copa surgiu um garçom bêbado, carregando uma bandeja repleta de taças e champagne para os mais velhos e todos gritaram:

– Mate a barata, mate, ela está aí, bem na sua frente.

A coisa pode piorar? Pode!

Bêbado, não percebeu o chão molhado e na tentativa de pisar na barata acabou escorregando e caiu destruindo taças e garrafas.

E todos:

– Oooohhh!

A coisa pode piorar? Pode!

Até que pode. Mas desculpem-me. Não consigo me lembrar do final.

Guilherme Del Campo

Cadeira nº 11 | Patrono Mario de Andrade