A nova Lei Geral de Proteção de Dados

Por Romeu Bicalho*

 Sabe aquele e-mail indesejado que você está cansado de receber oferecendo produtos e serviços, ou aquele telefonema, às 7 horas da manhã quando você mal acordou, informando que você “ganhou” um novo cartão de crédito, e você se pergunta: “Como eles conseguiram meu contato”?… Pois bem, a partir do próximo mês de setembro, teremos uma nova lei que tem como principal objetivo proteger os nossos dados pessoais e responsabilizar aqueles que os utilizarem sem a nossa autorização. Trata-se da Lei 13.709-2018, nominada de Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) que foi aprovada em 2018 com provisão de vigência para 2020. O Governo Federal tentou adiar sua vigência para 2021 através da Medida Provisória 959 que, entretanto, teve esse ponto rejeitado no Senado.

 A LGPD foi inspirada na legislação da União Europeia e considera como dados pessoais protegidos, não apenas a informação que seja identifique efetivamente uma pessoa (nosso nome ou documento de identidade, por exemplo), mas também aquele dado que nos torna identificável (e-mail, número de telefone, apelidos, marcas de nascença, dados genéticos, ou outras características particulares). Com a nova lei, a utilização desses dados só será possível com nosso consentimento. A ideia geral da lei é proteger o cidadão do uso desautorizado dessas informações por parte das empresas. No dia 26 de agosto, o Governo Federal editou o Decreto 10.474-2020, que cria a estrutura da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão responsável pela orientação, fiscalização e regulamentação da LGPD.

Então, se eu tenho uma empresa, não poderei mais enviar e-mail para um cliente? Calma! Você poderá, porém, deverá colher a autorização prévia dele. Por exemplo, quando ele for preencher aquele formulário (físico ou virtual) para concorrer em um sorteio, você poderá solicitar que ele autorize a utilização dos contatos ali informados para o envio de suas ofertas. Se ele consentir, sem problemas, você poderá enviar as mensagens. Caso contrário, você não poderá mais lhe enviar aquelas mensagens.

 Além disso a LGPD obriga que a empresa que coletar nossos dados explique de forma clara para qual finalidade eles serão utilizados, ficando proibida de usá-los para outra destinação. Outro ponto importante, é que a empresa que coletar nossos dados ficará responsável por eles. Se, por exemplo, esses dados forem liberados para outras pessoas, com ou sem intenção, isso poderá resultar em sanções administrativas e até indenização à pessoa que for lesada por causa do vazamento dos seus dados. As sanções pelo uso indevido dos dados vão da mera advertência até a aplicação de multa que pode chegar a 50 milhões de reais. Essas sanções, porém, só começarão a ser aplicadas a partir de agosto do ano que vem.

  Nós ainda não temos ideia de como nossos dados são valiosos, seja para fins comerciais, políticos ou qualquer outra atividade que demande o reconhecimento de padrões do comportamento humano. Na era digital, com as possibilidades criadas pela tecnologia de informática para captação e análise de informações, os dados são o “novo petróleo”, segundo declaração do CEO da Mastercard, Ajay Banga, que destacou que a “diferença é que o petróleo vai acabar um dia. Os dados, não”. Algumas empresas vendem nossos dados a preço de ouro. Com o avanço tecnológico, nossos dados estão sendo coletados a todo momento, não apenas através de formulários que preenchemos voluntariamente, mas principalmente através da utilização de nossos computadores. Em um futuro já presente para algumas pessoas e que se tornara comum para todos, a coleta de dados também será feita através da utilização de utensílios domésticos, de veículos e de outros equipamentos eletrônicos que estarão cada vez mais interligados e através dos quais, consciente ou inconscientemente, forneceremos nossos dados para análise por algoritmos com possibilidades de uso que sequer imaginamos. Se acha que isso é coisa de ficção científica, assista ao documentário “Privacidade Hackeada” na Netflix.

  Portanto, a nova lei vem em boa hora. Porém, não basta a Lei. Como sempre, é necessário que tenhamos consciência da importância dos nossos dados e que, antes consentirmos na sua utilização, façamos uma análise sobre a finalidade à qual eles serão utilizados. Se você acredita que alguma coisa realmente é “de graça”, talvez seja melhor rever os seus conceitos.

* É advogado, professor de Direito da FADITU; doutor em Direito pela PUC-SP e pós-doutorado em Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae – Universidade de Coimbra.