Água no corpo e na memória

Por Felipe Brito Barbieri*

Antes de começar este texto, fiquei pensando: como começar a falar sobre água em Itu? Pensei em citar os rios que cortam o município, contar sobre a ocupação do território pelos Bandeirantes, em falar sobre a (des)poluição do Rio Tietê, ou sobre a falta d’água que marca nosso município…

E  foi sobre este último questionamento que mais refleti: falta água em Itu? Peço licença aqui para ser um pouco poético (ou maluco, quem sabe?). Todos estamos cansados de saber que nosso corpo é formado por água. Estimativas indicam que pelo menos metade do nosso peso é formado por água (H2O), a junção de duas moléculas de hidrogênio (H2) e uma molécula de oxigênio (O).

A água é essencial e está presente no nosso suor, nas lágrimas, na urina, nas fezes. É fundamental para transportar nosso oxigênio, os alimentos que ingerimos, os sais minerais e outros elementos vitais. Sabia que parte dos nossos ossos (cerca de 20%) é formada por água?

Voltemos para Itu. Estima-se que nosso município possui cerca de 170.157 pessoas (IBGE – 2017). Por outro lado, se considerarmos que a população deste município pesa, em média, 60 kg, poderemos dizer que nós, os ituanos, temos guardado 5.104.710 litros de água. A soma da água de nossos corpos totaliza 5 milhões de litros de água! Somos rios invisíveis! Pode parecer viagem, mas essa é a verdade.

Falando nisso, você já percebeu que nosso sistema arterial/venoso, nossas ramificações sanguíneas, assemelham-se muito aos cursos dos rios? Os pequenos vasos sanguíneos/córregos são cursos de água/sangue que desembocam em artérias/rios. Pareceria loucura a sugestão de travar o fluxo sanguíneo de uma artéria, ou talvez de parar de tomar água por muitos dias, ou de acelerar de forma brusca o fluxo sanguíneo no nosso organismo… Por certo, parece óbvio que essas ações não trarão benefícios para nosso corpo.

Mas é isto que estamos fazendo com os rios visíveis. Quando destruímos a margem de um rio, destruindo as árvores, causamos assoreamento e impedimos o fluxo do curso d’água; quando asfaltamos todas as áreas e impedimos que a água permeie o solo, acabamos com o processo natural dos cursos das águas; e/ou quando impermeabilizamos os córregos e, em consequência, aceleramos a velocidade dos cursos d’água, causamos maior concentração de água em determinados pontos da cidade e alteramos o microclima da região.

Agora que sabemos que um rio invisível corre dentro da gente e que temos que cuidar dos rios visíveis como se fosse a extensão do nosso corpo, pergunto: qual é o rio que corre fora de você e que memórias esse rio lhe traz?

O meu rio é o ituano Córrego Guaraú, que nasce da junção dos Córregos Taboão e Brochado, e percorre a marginal da cidade. Cresci no final da marginal (ou no começo, se você está vindo de Salto). Meus familiares, os Barbieri, italianos, quando vieram ao Brasil, instalaram-se naquela região. De quando eu era criança, tenho lembranças dos dias em que o rio enchia e invadia as vias. Era divertido, porque a rua virava água. Eu não sabia que aquilo, no fundo, era muito triste.

Quando meus pais me levavam para a Fazenda do Chocolate, na Estrada Parque, nos passeios do domingo, meu pai me contava sobre as pescarias que ele realizava com meu bisavó, no Rio Tietê. Este é o rio do meu pai.

De novo, qual é o seu rio? Qual rio vamos deixar para os nossos filhos e netos? Qual memória vamos construir sobre os rios? Pergunte para alguém qual é o rio dessa pessoa. No nosso próximo encontro, vamos conversar sobre as águas (e a falta deste bem) em Itu.

 

* Felipe Brito Barbieri é Diretor Presidente do Movimento Socioambiental Caminho das Águas

Um comentário em “Água no corpo e na memória

  • 21/08/2018 em 15:28
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    Parabéns pelo lindo texto.

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