BOVARISMO

Li no ‘Estadão’ de domingo, uma matéria do articulista Leandro Karnal sobre feminismo e adultério onde surgiu o termo “bovarismo”, baseado no romance famoso: “Madame Bovary”, que entre outras adúlteras foi a que mais o impressionou.

O autor define o bovarismo como: “um sentimento fantasioso sobre si, uma busca delirante de uma identidade que não corresponde ao real”.

Intrigado com o vocábulo procurei descobrir o seu significado. O Aurélio nos diz: “Insatisfação neurótica que se observa em mulheres, sobretudo em jovens, decorrente da mistura de vaidade, imaginação e ambição, e que resulta em aspirações acima do permitido pelas condições sociais que ocupam”. No Houaiss: “Tendência que certos indivíduos apresentam de fugir da realidade e imaginar para si uma personalidade e condições de vida que não possuem, passando a agir como se as possuíssem”.

Essa dúbia realidade pode ser perniciosa e a busca frenética de uma identidade forjada e fantasiosa pode até, momentaneamente, satisfazer o ego, mas essa fuga peremptória da vida real fatalmente trará sérios transtornos psicológicos. A partir daí creio que um psicanalista poderá estabelecer melhores parâmetros sobre o tema.

Todavia comecei a raciocinar a respeito e instintivamente procurei identificar pessoas que porventura apresentavam essas características e não foi difícil.

Na Capital conheci um sujeito de seus quarenta anos, solteiro, vaidoso e vagabundo. Filho único de pais abastados apresentava-se elegantemente vestido e gabava-se de nunca ter trabalhado na vida.Era um estroina que se vangloriava em possuir vários carros ‘último tipo’ e de nunca ter vendido nenhum. Vivia com saldo devedor em sua conta-corrente e estava sempre assediado pelos credores e por mulheres que desejavam esposá-lo.

Conheci uma mulher cafona que sem modéstias, acredita ser a mais elegante da cidade. Vive com o nariz empinado e tem certeza de que é invejada por todos. Descobri que a mesma era agiota. Seu maior sonho era construir uma casa sofisticada num condomínio fechado, que até hoje não se concretizou. Enquanto isso dirige o carrão com o celular nas mãos, lenços coloridos na cabeça e óculos modelo ‘formigão’.

Em Itu acontece muito amiúde esse fenômeno de bovarismo. Atinge homens e mulheres. Observem a enorme quantidade de pessoas que desfilam com caríssimos veículos, residem em condomínios fechados e não raro devem mensalidades nas escolas particulares dos filhos, não pagam o dentista e as taxas de condomínio.

Às vezes me pergunto:

  • Como são capazes de ostentar tanta opulência se vivem num miserê danado?
  • Credo quia absurdum”! (Creio por ser absurdo!)

Um velho conhecido e falido há anos, reside numa mansão herdada dos pais, hoje em ruínas e que não vê uma mão de tinta há muito tempo. Adepto do almofadismo, desfila nas festas todo sorridente, impecavelmente bem vestido e vive assediado por credores. O pior é que esse tipo de pessoa não dá a mínima para a realidade e muito menos para honrar seus compromissos. Vive no mundo da lua, sonhando com riqueza, elegância e poder, simplesmente um bovarista!

E entre outras peripécias desses bovaristas, lembrei-me de um trecho do velho samba que diz mais ou menos assim: ‘Enquanto isso, vou fingindo que sou rico, prá ninguém zombar de mim’.

 

Guilherme Del Campo

Cadeira nº 11 I Patrono Mario de Andrade