Consciência negra: ituanos comentam sobre a situação dos negros na cidade

Michelle Duarte lamenta a falta de um representante no Legislativo (Foto: Arquivo pessoal)

A sexta-feira (20) marca o Dia da Consciência Negra. Em um ano marcado por diversos protestos ao redor do mundo pelo fim do racismo e pela igualdade racial e para lembrar a data, o Periscópio ouviu duas pessoas para que as mesmas fizessem uma análise do negro na sociedade atual de Itu.

Cientista política e diretora da UNEI (União Negra de Itu), Michelle Duarte fala a respeito. “Segundo dados do IBGE de 2010 a cidade de Itu conta com pouco mais de 28% de pessoas que se identificam como negras ou pardas, um avanço para uma cidade que ainda tem muita dificuldade de dialogar e defender uma agenda que envolva o movimento negro”, aponta.

Michelle explica. “E isso é muito expressado na nossa casa legislativa, por exemplo, onde mais uma vez não temos um representante que se identifica como negro. Não ter pessoas que constroem e defendem a pauta e identificam a importância de avançarmos reflete muito sobre o que teremos de política pública nos próximos quatro anos.”

A diretora da UNEI reforça que debates devem ocorrer sempre e não uma vez por ano. “No mês da consciência a gente vê diversas pessoas e movimentos falando sobre a importância de vencer o racismo, mas o movimento negro não está a venda, no mês que se propõe a debater o assunto a gente ouve muita gente dizendo estar disposta, passado o mês de novembro, nós voltamos para a luta constante, e essas mesmas pessoas só irão se lembrar no próximo 20 de novembro.”

Michelle prossegue, dizendo que as mudanças devem ocorrer por meio da educação. “As crianças negras ainda não se enxergam nos livros didáticos, e consequentemente sofrem com o racismo que está enraizado nos nossos processos de educação. E a cidade de Itu não pode fechar os olhos para isso como tem sido feito nos últimos anos.”

 São as políticas afirmativas que irão garantir que a cidade de Itu encontre dentro da sua história a importância dos negros para a construção e formação da nossa cidade”, esclarece.

Joberson Nicolas Moraes acredita em mudanças porém pede uma maior união (Foto: Juca Ferreira)

Fisioterapeuta e integrante da comissão técnica do Ituano Basquete, Joberson Nicolas Moraes, o Nino, também faz a sua análise. “Até um tempo atrás é bem sabido que nessa cidade aqui em vários locais não se aceitavam os negros, a convivência com os negros. Eu passei por um período disso, eu vivi isso daí e vi isso daí também, foi mais em minha época de adolescência. A gente foi quebrando tabus, enfrentando barreiras e isso de modo geral, não só em Itu.”

Nino comenta à reportagem dos percalços enfrentados. “Eu tive no começo bastante dificuldade na questão profissional, na questão de formação, hoje sou formado em fisioterapia. Aqui em nossa cidade, temos muitas pessoas que trabalhavam com fisioterapia, mas são poucos os negros que são fisioterapeutas”.

O profissional explica. “Ae a gente for juntar eu digo que a gente não tem 20 profissionais. Se for fazer o levantamento de onde esses negros trabalham mais de 80% não tem emprego fixo, não consegue ter acesso a uma clínica, a gente tem diferença e isso é perceptível. Ainda tem racismo sim eu passei muito por isso.”

“Você vai cheio de sonhos, armado de currículo, achando que o profissionalismo vai falar mais alto e não é bem assim. Conta muito mais a sua posição, sua classe, sua cor do que qualquer coisa”, desabafa Nico que destaca. “Sempre busco me atualizar, me alinhando com as coisas, buscando conhecimento. Falta um pouco mais de oportunidade pra gente.”

Se na vida profissional ocorreram dificuldades, na vida pessoal não foi diferente. “A gente percebe em alguns lugares até os olhares diferentes, se você está vestido com uma roupa convencional e entra em algum lugar as pessoas te olham diferente,com desconfiança. Há uns três anos eu entrei em uma drogaria aqui na cidade para procurar um remédio que eu sabia que tinha ali nas gôndolas e  quando percebi o segurança da drogaria estava me seguindo.Você percebe claramente isso”.

 Seguindo com sua análise, o fisioterapeuta acredita que deveria haver uma mudança de mentalidade quanto a data. “Sobre o feriado, a gente não quer que seja uma consciência negra, uma consciência humana, da vida, a gente precisa aprender que por trás da cor da pele existe uma alma e que essa alma em si se iguala a todo mundo perante a Deus e todo mundo. A gente vai ter o mesmo fim.”

‘ “Não é você fazer um feriado de consciência negra é você sentar e ter uma conscientização humana, a nação em si pede mais isso.”, rforça Joberson que se diz esperançoso. “Hoje em dia as cosias estão mudando bastante, com o surgimento das ocorrências mundo afora da questão racial. Os problemas nos EUA que escancaram bem a intolerância, diferença muito brutal.”

“Hoje, vendo posso te dizer que por mais dificuldade que eu passei, a geração que vem agora já não vai enfrentar, vai ser bem diferente, será mais trabalhada essa questão. Os meus sobrinhos já não vão passar, não será mais aceito, será banido (o racismo), de um jeito ou de outro vão ter que respeitar mais, ser mais tolerantes e a sociedade em si vai cobrar mais isso das pessoas. Fala isso não só dos negros, mas qualquer um que sofra qualquer tipo de preconceito,” analisa.

No entanto, Nino crê que para isso ocorrer, é necessária uma maior união. “Temos quefazer a lição de casa e começar por nossa cidade. Quantas pessoas negras vemos em destaque? Quantas pessoas negras você vê que tem uma oportunidade? Até na própria política a gente vê que é bastante dividida. Isso eu cobro um pouco da população negra,existe uma união, mas não uma união forte, que você vê resultados para todos.”

 “Existe também aquela máxima de porque ele está se dando bem e eu não? E eu não posso apoiá-lo. Eu cobro isso de nós próprios. Vejo bastante diferente, mas ainda existe essa falta de união de apoio, de compaixão e comprometimento da própria raça negra em se juntar e bater o pé por suas conquistas”, critica.

“Quanto mais oportunidades, equidade, não igualdade, não precisa ser igual. Aquilo que é igual acaba sendo desigual. Falta um pouco mais de senso e pensar na coletividade. Espero que isso mude bastante entre nós”, pondera.

O fisioterapeuta conclui. “A gente pode conquistar muito mais, muito mais mesmo. A gente tem Deus no coração e muita força e muita fé. Sou uma pessoa com uma fé muito forte, muito guerreira e gosto de conquistar meu espaço, luto por isso e eu aprendi agora a não me deixar abater. “

Consciência Negra em Itu

  • 20/11 – Largo do Cruzeiro – Das 10h às 17h, será realizada Feira de Culinária Tradicional com colaboradores do Grupo Cultural do Pirapitingui Folia de Reis Estrela do Oriente. Também das 10h às 17h, haverá a  Feira dos empreendedores autônomos do Grupo Pretos de Itu.
  • 20/11 – Largo do Cruzeiro – Das 12h às 17h, ocorrerá o Amanhecer e anoitecer cultural Grafitu: Street Art & Hip Hop com poesias, músicas e grafite ao vivo.
  • 21/11 – Das 14h às 16h, haverá Visita Técnica Museológica pela Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio e às coleções de pintura em tela do Padre Jesuíno, abordando série dos Santos Carmelitas e série dos Apóstolos com Dr. Emerson Ribeiro Castilho, diretor de Patrimônio Histórico da Prefeitura de Itu e do Museu de Música Sacra e Arte Religiosa Padre Jesuíno do Monte Carmelo. A visita será restrita a a 30 pessoas por ordem de chegada. Haverá certificado e só será permitida a participação das pessoas que estiverem seguindo corretamente os protocolos de saúde para a Covid-19, usando corretamente a máscara, cobrindo boca e nariz.

Um comentário em “Consciência negra: ituanos comentam sobre a situação dos negros na cidade

  • 22/11/2020 em 12:58
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    A situação é profunda.
    Certa vez realizamos uma palestra para iniciar um debate sobre a situação do povo negro, que consistia em convidar negros para uma palestra e iniciar um debate público.
    Saímos distribuindo panfletos explicativos sobre o evento na cidade de Itu e quando distribuíamos os panfletos as reações de quem recebiam, negros, eram as mais diversas possíveis, com alguns dizendo que não sou negro, outros amassavam com ódio e jogavam ao lixo de imediato, olhando com ódio.
    Outros em em grupo, eram ridicularizados, pelos amigos, que diziam que o panfleto foi entregue aquela pessoa por que achávamos que era negra, como se a cor da pele fosse algo ridículo.
    Nesse simples gesto já foi possível identificar alguns traços de atraso na consciência, no interesse, na aceitação, que são marcas profundas da escravidão. O sujeito negro não se reconhece e busca formas de atenuar; moreninho, marronzinho, pardo, mulado, etc.
    Chegado o momento da palestra apareceram 2 pessoas que ficaram alguns minutos e foram embora.
    É preciso e será necessária muita educação para conscientizar, tirar o paciente do coma e as vezes um ou outro episódio de violência, criará um grau de consciência, de indignação com o tratamento diferenciado, da falta de acesso aos negros em alguns lugares.
    Cresci ouvindo que em alguns lugares, em Itu, não entrava negros e tive amigos que ao procurarem emprego, ouviram claramente, que aquele empregador não contratava negros.
    Associação de negros não pode ser um organismo da prefeitura, por que se assim for, vira um cabide de cargos, onde só pessoas que pensam igual a este ou aquele político, terão voz.
    Necessária se faz que a voz do povo negro seja amplificada pelo tratamento isonômico de todos, praticado pela igualdade de acesso.
    A cota não dá igualdade de acesso, por que ela apenas dá acesso aquele que tem as características de quem busca expor socialmente que não ´é racista. Uma moda!
    A contratação de negros não pode ser modismo, tem que se dar pela via natural e complementada por benefícios de incentivo a educação para alteração do status quo.

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