Cura para a ignorância

Por André Roedel

 

Nesta semana as rodas de conversa e as redes sociais só falaram praticamente de uma coisa: a polêmica decisão judicial proferida pelo juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara do Distrito Federal, que, na prática, abre brecha para que psicólogos ofereçam terapias para reversão sexual, a popular “cura gay”.

A medida deu o que falar, é claro. Muita gente discordou do parecer, levantando bandeiras da igualdade e mostrando o quão absurdo é esse tipo de situação em pleno século XXI. Com hashtags e memes, boa parte dos internautas promoveu campanhas contra a atitude do juiz. Porém, em meio a esse rebuliço todo, houve quem ainda ajudasse a perpetuar preconceitos e até mesmo inverdades.

Para essa galera, a decisão em nenhum momento trata a homossexualidade como doença (o que é um fato, mas precisa ser analisado por outro ângulo) e, por isso, não tem nenhum problema. “É só mimimi dos esquerdistas e da mídia”, disseram. Outros comentaram que a tal “cura” só será buscada por quem quer, não será forçada a todos homossexuais. Precisamos voltar um pouco no passado para entender como se originou a decisão e saber o motivo dela ser tão controversa – e perigosa.

A autora da ação original é a psicóloga Rozangela Alves Justino, que, segundo o site “The Intercept Brasil”, possui desde junho de 2016 um cargo no gabinete do deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) na Câmara, apadrinhado do Pastor Silas Malafaia. Ela entrou com a ação na Justiça Federal este ano contra a resolução 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia (que já declarou que vai recorrer), que estabelece algumas regras de atuação em relação à orientação sexual.

Rozangela se identifica como missionária em seu blog pessoal. Já foi vista fazendo cultos evangélicos dentro da Casa de Leis federal. Ela foi censurada pelo conselho em 2009, quando passou a oferecer terapia para “curar” a homossexualidade. Na oportunidade, ela disse ter sido “amordaçada” e chamou a atitude do conselho de “nazista”. Essa mulher é a responsável pela ação que resultou nessa polêmica toda.

E perigosa, como afirmei anteriormente. Apesar de não anular a resolução do conselho, a decisão judicial determina que os profissionais possam “estudar ou atender àqueles que voluntariamente venham em busca de orientação acerca de sua sexualidade, sem qualquer forma de censura, preconceito ou discriminação”. Ou seja, enfraquece-a totalmente, permitindo que outras decisões que deveriam ser restritas a profissionais da saúde caiam na mão de um juiz muitas vezes não tão bem preparado para julgar algo do tipo. E existe outro problema: vivemos no Brasil, um país abençoado por Deus e homofóbico por natureza, em que se mata uma pessoa a cada 25 horas por conta de sua orientação sexual, segundo levantamento de 2016 do Grupo Gay da Bahia.

Por isso, não é de se espantar que tal decisão, baseada na vontade de uma mulher que já foi censurada publicamente pelo conselho responsável pela psicologia no país, agrave a tensão existente por todo o território nacional. Em um momento de tanta intolerância, isso é até desnecessário. E tentar minimizar a situação, “passando pano” para o juiz que concedeu a liminar, não ajuda.

Agora é momento de reflexão. De percebermos que a nossa nação – e o mundo todo, aliás – caminha apressadamente rumo a uma sociedade cada vez mais conservadora, repressora de liberdades individuais. Uma sociedade até certo ponto mesquinha, sem empatia e amor ao próximo, mas que diz se basear em princípios bíblicos para tomar decisões excludentes. Resta a nós, “esquerdistas e pessoas da mídia”, torcer para que em algum trecho desse caminho a gente ache uma nova cura: a da ignorância. Enquanto isso, vamos sobrevivendo…