Dona Hermenegilda

J.C. Arruda

Foi difícil as pessoas se acostumarem a chamá-la de Gilda. Na verdade a maioria ainda dizia Girda. Porém, ela era muito popular em Itu, muito mais pelo lado negativo do que pelo positivo. Ela era quase sempre insuportável, desde quando criança e fazia o curso primário na Escola Cesário Motta. Começou pelo verdadeiro nome dela: Hermenegilda. Foi por isso que ela moveu céus e terras para acostumar as pessoas a usar apenas o “Gilda”, ou então “Girda” que ela também não gostava muito.

Girda até que não foi mal na escola, como aluna, mas tinha pouco sucesso para fazer amizades. Quando foi para o IBAO buscando o curso de secretária, já estava entrando na adolescência e passou a se dar conta da dificuldade que tinha em se relacionar com rapazes. Não tinha muitos pretendentes. Para ser bem franco, não tinha nunca pretendente nenhum. Só podia dar no que deu: passou dos 20, dos 25 e, chegando aos 30 viu que iria ficar prá titia. Assim tudo piorou. Então Girda se transformou na xerife extra-oficial da cidade por conta própria.

Onde quer que estivesse, sempre achava um meio de criticar alguém ou alguma coisa. Falava da vizinha que tinha um amante, garantia que o sapateiro da esquina não pagava ninguém, fofocava sobre a casa da própria prima, dizendo que não passava de um chiqueiro, por falta de asseio e ia por aí afora. E o pior era que para armar um bate-boca malcriado com qualquer um que dela discordasse era zas-trás. Quando cismava, armava uma discussão até dentro da igreja. O único ser vivo que conseguia suportar Girda, era o Veludo, um cachorrinho que ela carregava para tudo quanto era lugar que fosse. Ao Veludo, não há como negar, ela dava todo o carinho como, aliás, costuma acontecer com as solteironas.

Girda o havia criado desde que nasceu como se fosse, de certo modo, um filho, um bebê. Veludo pelo fato de ser pequeno e inteiramente preto, justificava o nome.

Pois foi nessa época que os irmãos Servezão lançaram o Primeiro Ônibus circular da história de Itu. Era uma jardineira que fazia apenas a linha Vila Padre Bento-Estádio Municipal. Mais porque era novidade, a jardineira vivia lotada, tanto na subida para o Estádio como na descida para a Vila Padre Bento. E só tinha um motorista, o Bernardo, um crioulo forte e de pouco papo. Era cortês com todos, mas sem nunca deixar a seriedade de lado para se fazer respeitar pelos passageiros, principalmente na cobrança da passagem.

Foi quando no cruzamento da Floriano Peixoto com o Beco do Fuxico, Bernardo viu a Girda dando sinal para o ônibus parar. Ele que já conhecia a fama da mulher parou e em seguida abriu a porta, mas quando viu que ela estava com o Veludo no colo, já foi avisando: – “Sinto muito minha senhora, mas não é permitido a entrada com animais dentro deste ônibus!” Foi o que bastou para Girda, segurando a porta, partir para o bate-boca malcriado com Bernardo. Mas, este foi firme retrucando sempre à altura. Até que por fim Girda, resolveu desistir, mas não sem antes dizer a frase final: – “Tudo bem, eu vou descer, mas… sabe onde eu acho que você deveria de enfiar este ônibus?” E o Bernardão, ainda mais firme: – “Sei sim. E, se a senhora fizer o mesmo com o cachorro, não precisa nem descer do ônibus!” Foi aplaudido pelos demais passageiros…