E o Valdir reagiu…

J.C. Arruda

Quando Valdir chegou para votar na fila da 28ª Seção da Escola Cesário Motta, deparou com pelo menos oito eleitores na sua frente. Só que, por coincidência ou não, a maioria era gente conhecida. Começou conversando com um e com outro mas, aos poucos monopolizou a atenção da fila, com seu vozeirão sempre simpático, característica do bonachão que era durante toda a vida. Quando chegou a vez dele de votar, Valdir se aproximou dos mesários e antes de apresentar o título de eleitor, já foi avisado:

– O senhor faça o favor de votar em silêncio, sem maiores comentários, pois o vozerio que aconteceu no corredor, por sua causa, não pode acontecer aqui dentro da seção!

Foi assim, desse jeito insólito, que ele conheceu Olga, vendo-a pela primeira vez na vida. Ela poderia ter chamado a atenção pela elegância sóbria que apresentava ao vestir-se com um tailleur cinza e óculos professorais, apropriados para ser a presidenta da 28ª Seção. Mas, o que tocou logo de cara o interior de Valdir, foi a altivez com que foi chamado a atenção, com a bronca dela. No dia seguinte, Valdir foi até a agência do Correio local para enviar algumas cartas e documentos. Nova coincidência: foi atendido pela própria Olga, funcionária da repartição.

Começou falando com ela profissionalmente e, em seguida, conseguiu entrar em outros assuntos sociais, pessoais, familiares, quando ficou sabendo que ela era frequentadora do Mantovani. Nos dias seguintes Valdir já estava de prontidão no restaurante, até que chegou a encontrá-la, por “coincidência” no local. Acabou por jantar juntos e sairam dali como namorados. A relação evoluiu, ficou estável e começou a preocupar os amigos. Estes passaram a dar conselhos para o Valdir alertando-o que Olga era mandona no serviço, autoritária com os próprios irmãos e, enfim, onde quer que estivesse, fazia valer suas opiniões. De nada adiantou. Olga soube levar a relação até o casamento que aconteceu na Igreja do Quartel, com uma bela festa após a cerimônia.

Durante os preparativos para o casamento, logo deu para perceber alguma mudança. Para pior. Sequer uma das sugestões da mãe de Valdir, a dona Plínia, foi aceita pela noiva. Tudo, nada menos que 100%, foi feito de acordo com a vontade de Olga. A roupa dela, foi ela que escolheu. O traje de Valdir também. As músicas da cerimônia, todas de Roberto Carlos, foi Olga que selecionou. E olha que Valdir adora Zezé de Camargo e Luciano… mas, não teve jeito. A lua de mel, Valdir só faltou implorar para que fosse no Rio de Janeiro, mas ambos foram para Gramado. Bem, após o casamento e a viagem de núpcias, foram viver a vida de casados.

Aí, tudo melhorou… para Olga!

Unidos pelos laços indissolúveis do casamento, ela apertou ainda mais o cerco. O Valdir não podia ir mais jogar truco com os amigos no Recanto Olímpico e muito menos participar das peladas no campo do Padovani. Quando saia da casa era para cumprir algum compromisso social assumido por Olga e, estivessem onde estivessem, todo mundo percebia que ali não era um casamento normal. O tempo todo Olga parecia uma Porta Bandeira fazendo de Valdir seu Mestre-Sala e acabou. Até que os amigos acabaram por se revoltar. Passaram a encher a cabeça do Valdir: – “Que isso rapaz! Você precisa reagir! Tá ficando feio! Ela está se aproveitando da sua bondade! Você precisa fazer ouvir sua voz em casa!” Enfim, nada que o Valdir não soubesse…

Porém, ele só resolveu tomar atitude para valer, quando Wagnão, um amigo de infância, lhe trouxe um cartão do Doutor Ednei, um psiquiatra renomado que cuidava da saúde mental de metade da cidade, lhe recomendando: – “Veja Valdir, o seu problema é de baixa auto-estima. O doutor Ednei é craque nisso. Com algumas sessões você vai ser outro homem. Vai se dar o seu devido valor”. Ainda que, com alguma dúvida, Valdir foi procurar o psiquiatra. Em segredo, claro. Deus me livre que a Olga fique sabendo. Para sua surpresa, voltou animado. Retornou outras vezes, ainda mais animado. Ao término de uma dezena de sessões, foi informado pelo Doutor Ednei que havia concluído o tratamento. Podia se considerar outro homem.

Por isso, quando chegou do serviço e entrou em casa, naquela tarde, foi logo dizendo para Olga sem maiores delongas:

– Eu quero que você prepare um jantar dos deuses e espero em seguida uma sobremesa divina. Mas, antes pegue para mim um Whisky On the rocks e encha a banheira com água morna que eu vou tomar um banho bem relaxante para aguardar o jantar. E tem mais: saindo do banho, adivinhe Olga, quem é que vai me vestir e me pentear?

E Olga respondeu, bem sinistra e calmamente:

– O homem da funerária, meu querido!