Em Itu, mais de 2 mil alunos prestam o ENEM e se surpreendem com redação

Por Daniel Nápoli

Quase 4 milhões de pessoas participaram do primeiro dia do exame em todo o Brasil Foto: Daniel Nápoli

No último domingo (03), em todo o Brasil 3,9 milhões de pessoas participaram do primeiro dia de prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) 2019. Na oportunidade, os candidatos tiveram 5h30 para responder 45 questões de Linguagem e outras 45 de Ciências Humanas, além de escrever uma redação com o tema “Democratização do acesso ao cinema no Brasil”.

Na cidade de Itu, o exame foi aplicado no Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (CEUNSP) para 2.358 candidatos e a reportagem do Periscópio esteve presente no local de prova para conversar com alguns candidatos para saber sobre suas expectativas para a realização do exame.

Formada há 2 anos no Ensino Médio, Isabela de Araújo, que se preparou para seu terceiro ENEM, comentou sobre a expectativa. “Na segunda vez eu tinha conseguido uma faculdade (administração), mas não era o que eu esperava e o meu foco é na área da saúde”. Aluno da Escola Estadual “Cícero Siqueira Campos”, Vinícius Ribeiro Pugliese, de 17 anos, que planeja cursar Administração, também falou sobre o que esperava. “A expectativa é boa, embora não tenha feito cursinho, estudei vários anos para isso”.

A estudante Miriam dos Santos, de 17 anos, comentou sobre o que aguardava da prova, porém, disse que encararia a mesma como um treino. “Eu quase não me prepararei, estou fazendo mais para teste mesmo, daí ano que vem vou me preparar mais, vou dedicar um ano somente para o ENEM. Este ano é só para ver como é”. Ao JP, Luiz Eduardo Bragatto, de 18 anos, também falou. “Estou bastante ansioso, mas confiante, embora não tenha ideia do que irei encontrar”.

Pós-prova
Após a realização do primeiro dia de provas, a reportagem voltou a falar com os estudantes entrevistados. Sobre as questões, Isabela disse. “As questões de português eu achei que eram mais interpretação mesmo, já as outras disciplinas eram mais conhecimentos gerais do que interpretação”.

Sobre a redação, a jovem opina. “A redação foi um tema que eu nunca imaginei, nunca me passou pela cabeça, levei algumas horas para conseguir formular uma redação, mas creio que consegui colocar nela a intervenção que seria correta de acessibilidade do cinema a todos”.

Embora acredite que tenha ido bem, Vinícius não gostou das questões e do tema proposto para a redação. “A prova em si foi de conhecimento geral, achei ‘broxante’ não ter muita coisa retratando a história do Brasil. Já a redação me decepcionou, já que não foi um problema de grande porte que vivemos no Brasil. Tem assuntos mais importantes”, diz.

Miriam também falou sobre suas impressões. “A prova eu achei que foi ‘de boa’, mas na redação eu acho que não fui muito bem, ela não estava difícil, mas no momento eu não conseguia pensar em nada, não imaginava que iria cair sobre cinema”, disse a estudante da Escola Estadual Dr. Cesário Motta, que pretende cursar Odontologia.

O segundo e último dia de prova do ENEM 2019 acontece neste domingo (10), em que serão aplicadas 45 questões referentes a Matemática e outras 45 relacionadas a Ciências da Natureza. Assim como no primeiro dia, os portões serão abertos às 12h, com o candidato devendo chegar até as 13h (horário de Brasília).

Sem atrasos
Após o fechamento dos portões, às 13h, a reportagem ficou nas proximidades do local de prova até 13h15, não havendo no período registro de candidatos atrasados. Porém um fato curioso foi a presença de um rapaz, que não quis se identificar. Ele relatou ao JP que todos os anos fica em frente ao CEUNSP aguardando a chegada de candidatos atrasados para tirar fotos e postar nas redes sociais, com o objetivo de criar “memes”. Desta vez, o jovem saiu “decepcionado” de acordo com suas palavras.

Redação nota 1000
A convite do JP, o professor Bruno Cuter Albanese – que é formado em Letras pela Unicamp, leciona Literatura e Produção de Texto no Ensino Fundamental II do Colégio Almeida Júnior e é corretor de redação do Ensino Médio – escreveu um texto com a proposta solicitada pelo ENEM. Confira:

SALA V.I.P.

Quando Lumiére afirmara que o “cinematógrafo” não teria futuro como espetáculo, mal sabia que a linguagem inaugurada por ele, por meio de sua invenção, estaria em plena sintonia com os valores liberais da elite industrial americana, que selecionou o cinema como a forma de entretenimento dos operários das grandes cidades. Custando somente um níquel, moeda de um dólar americana, os funcionários podiam relaxar após longas jornadas de trabalho. No Brasil, por outro lado, o acesso ao cinema ganhou contornos próprios, com somente 17% da população frequentando salas de cinema. Esse dado indica uma falta de democratização do acesso ao cinema no país, o que pode ser explicado por duas barreiras: a econômica e a social.

Em relação ao primeiro aspecto, assistir a um filme em uma sala de cinema implica um grande gasto familiar, não somente relacionado ao valor do ingresso em si e, em muitos casos, o deslocamento até uma cidade vizinha que ofereça esse tipo de entretenimento. Em uma cidade do interior de São Paulo, o preço médio para uma família, composta por dois adultos e dois filhos em idade escolar, apreciar um filme no final de semana é de pelo menos 78 reais, o que significa 8% de um salário mínimo. Esse cálculo aproximado confirma os resultados do IPEA 2010 de que o principal motivo dos brasileiros não irem ao cinema é a barreira econômica.

Além desse fator, o IPEA 2010 trouxe como segunda causa significativa, a vergonha que muitos brasileiros sentem ao frequentar ambientes em que podiam ter acesso ao cinema, já que, como mencionado anteriormente, os shoppings, espaço de lazer da classe média e alta, são os principais locais em que se podem encontrar salas de exibição. O antropólogo García-Canclini defende a ideia que as elites econômicas controlam a circulação e acesso a bens culturais para que ela se diferencie das outras classes sociais, fazendo com que estas não se sintam aptas a terem contato com determinadas produções culturais. Parece ser esse o caso do cinema no Brasil.

Nesse contexto, considerando o exposto e o fato de o Governo Federal mostrar grande instabilidade quanto a suas políticas em relação aos órgãos que poderiam mudar essa realidade a nível nacional, cabe as Secretarias de Cultura de cada município investirem em projetos culturais, por meio de exibições gratuitas de filmes nacionais e internacionais em lugares públicos, para que todos os seus moradores sintam-se confortáveis para desfrutar de uma sessão de cinema. Dessa forma, o cinema pode se atingir seu potencial democrático como arte de participação e não de exclusão.