Falta de informação é o grande empecilho para transplante de órgãos no país

Atualmente, mais de 40% dos familiares de possíveis doadores de órgãos recusam o procedimento no país

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LUCAS GANDIA

Em dezembro de 2015, cerca de 32 mil pessoas aguardavam a doação de diferentes órgãos no Estado de São Paulo. De lá pra cá, os dados, da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), já mudaram. Entretanto, a espera dos pacientes continua sendo o principal símbolo de quem depende de um gesto solidário para sobreviver.

De um lado, a dor de famílias que perdem seus entes queridos de maneira inesperada. Do outro, a angústia de quem luta todos os dias pelo direito de viver. No Brasil, no entanto, os números ainda estão longe de serem ideais: atualmente, mais de 40% dos familiares de possíveis doadores de órgãos recusam o procedimento.

Na fila de espera, que pode durar meses ou anos, a ansiedade só aumenta. É o caso da professora aposentada S.M.M.B, de 63 anos, que há uma década convive com o diagnóstico de cirrose biliar primária. “Minha mãe não tinha dor nenhuma; só sentia coceiras. Com exames muito específicos, descobrimos que tinha uma alteração no fígado. Quando a doença foi detectada, ela já estava com apenas trinta por cento do órgão funcionando”, relata o filho L.G.B.

Na lista de espera da doação há um ano e com cerca de dez por cento do fígado em funcionamento, a ituana precisa ser internada com frequência, em momentos de fraqueza e crises de dor. “Essa doença é progressiva; a cada tempo vai piorando. Por isso ela precisa do transplante”, ressalta o filho.

Gesto importante
Assim como no caso da ituana, a angústia da família poderia ser minimizada se a doação de órgãos fosse uma prática mais debatida e difundida na sociedade brasileira. Nesse cenário, a falta de informação se torna o principal desafio para salvar a vida de milhares de pessoas.

Em Itu, o Hospital São Camilo realiza, desde 2008, o trabalho de busca ativa para doação de múltiplos órgãos e córneas, por meio de uma CIHT (Comissão Intra Hospitalar de Transplantes). Em fevereiro deste ano, também foi implantada na instituição uma OPO (Organização de Procura de Órgãos), abrangendo 48 municípios da região, com cerca de 2,5 milhões de habitantes.

Quando os hospitais da região identificam um potencial doador, a OPO é notificada e, então, passa a monitorar este paciente. “A organização é a ponte que interliga a central do Sistema do Nacional de Transplantes”, explica Dr. Jorge Luiz Arcencio, médico coordenador da OPO-Itu. “Quando fecha o ciclo de morte encefálica, a pessoa pode ser doadora ou os equipamentos são desligados”.

Na morte encefálica, embora ainda haja batimentos cardíacos, a pessoa não pode respirar sem os aparelhos – e o coração não baterá por mais de algumas poucas horas. Por isso, ela já caracteriza a morte do indivíduo. É fundamental que os órgãos sejam aproveitados para a doação enquanto ainda há circulação sanguínea irrigando-os, ou seja, antes que o coração deixe de bater e os aparelhos não possam mais manter a respiração do paciente.

Educação continuada
Todo o processo de notificação deve acontecer de forma rápida e eficiente. “Há um tempo curto para que o paciente possa ser doador de múltiplos órgãos. Os rins, por exemplo, só duram até 48 horas fora do corpo”, conta Dr. Jorge. “E o processo por trás da doação é muito longo e detalhado, seguindo normas do Ministério da Saúde. Não podemos pular etapas”.

De acordo com Fabiana de Jesus Cavalcante, supervisora administrativa da OPO-Itu, é fundamental que as pessoas conversem com seus familiares sobre o desejo de serem doadoras de órgãos. “Se o paciente declara que é doador, a família faz a vontade do falecido, até por uma cultura religiosa do brasileiro, que sempre procura cumprir o último desejo do paciente. Entretanto, enquanto não há consentimento dos parentes, o hospital não pode fazer nada”, ressalta.

Para Fabiana, a realidade só será transformada quando houver um processo de educação continuada sobre o assunto. “O ideal é conversar sobre o transplante nas escolas, nos postos de saúde e hospitais. É importante ressaltar que o corpo do paciente não fica desfigurado. Pelo contrário, é um procedimento que salva vidas – e nós não sabemos se, no futuro, precisaremos de um órgão”, finaliza.