Jovem de espírito uma ova!

J.C. Arruda

A partir deste mês, estou iniciando o meu 70º ano de vida. Já sou um idoso e não tenho do que reclamar. Afinal, a outra opção seria morrer, antes de envelhecer. Mas, sinceramente, não me sinto velho na verdadeira acepção do termo. Aceito que, com o passar dos anos, me vi obrigado a reconhecer meus novos limites: já não posso comer de tudo como era antes, sem ter que pagar o preço por isso; também não consigo beber tanto e misturar tudo como em outras eras, sem pagar a pena de ter ressacas horríveis e dores de cabeça pungentes; da mesma forma que, fisicamente, não me é possível manter a agilidade de outrora.
Porém, o que mais me incomoda, é a decadência mental. Não que eu esteja senil. Ainda me considero lúcido o suficiente para continuar trabalhando, por exemplo. No entanto, a memória recente vai começando a falhar. Esqueço, o nome e feição das pessoas que acabei de conhecer. Falho nos meus compromissos, não raramente, se não estiverem anotados na minha agenda diária ou se não for lembrado por “minha” secretária por meio da agenda dela. Mas o que mais me chateia é o reconhecimento de que a minha criatividade vai, a cada dia, diminuindo.
Tenho horror de velhos que costumam afirmar o batido clichê “eu sou jovem de espírito”. Me afasto deles, como o diabo foge da cruz. Esses velhos que ficam dizendo que o tempo deles é que era bom e se põem a criticar tudo que é modernidade. Eles não entendem que a saudade que sentem é de quando eram jovens, isso sim e para os jovens quase tudo é bom. Eu não consigo ser assim. Se pudesse, eu queria ser jovem hoje, para aproveitar todos os progressos que o mundo alcançou. Sou a favor da mini-saia (quanto mais mini!), da liberdade sexual que existe atualmente. Claro que quando falo em liberdade, não me refiro à promiscuidade. Isso é outra coisa. Gosto dos pais atuais que são menos pais do que em outros tempos, porém mais amigos dos filhos, aceitando o diálogo ou mesmo a discussão, em pé de igualdade.
Gosto de passear, de caminhar, de dançar. Principalmente de dançar. A ponto de ser mirado por olhares visivelmente críticos de pessoas que me veem na pista, rebolando como um velho assanhado e exibido. Pobre delas, devem ser as tais “jovens de espírito”. Adoro ouvir piadas, trocadilhos e gozações em geral. Também conto as minhas, nem sempre novas ou engraçadas, relembrando que o meu saudoso amigo Hélio Mazzucco, quando diziam que uma piada era velha, ele replicava com classe: “as piadas não envelhecem, você que é velho e conhece todas”.
Entretanto, ao curtir o meu 70º ano de vida, posso garantir que ainda me resta um grande orgulho que me resulta em real alegria: o poder ainda inabalável até crescente por vezes, de me indignar com certas coisas: com a injustiça, com a desonestidade, com a burrice, com a falsidade, com o puxa-saquismo, com a covardia, com a arrogância, com a ganância e, principalmente com a chatice. Aguentar chatos, isso não consigo mais. E pode ser que eu tenha todos esses defeitos citados sem me dar conta. Mesmo assim eu os abomino todos e enquanto Deus me der vida e um mínimo de lucidez vou tentar combatê-los.
Para encerrar, quero deixar aqui uma homenagem aos falsos-velhos. Esse termo é criação minha para nomear aqueles que estando em idade avançada, não perderam o poder da indignação. Conheço um que está entre meus ídolos. É o querido e respeitado Zito Pereira Mendes, cuja vida daria uma história fascinante. Ele está com 102 anos de idade, dirige seu próprio carro, administra a propriedade onde mora na estrada Itu-Sorocaba e ainda encontra tempo para, não raramente, ir aos fins-de-semana jogar golfe no campo das Terras de São José na companhia de Rubinho Barrichello e outras figuras não menos importantes. Esse não é um “jovem de espírito”.
Dia destes o encontrei num restaurante da cidade e fui cumprimentá-lo pelos 100 anos de vida. Ele com toda paciência me explicou que não são 100 anos e sim 102. E ainda arrematou:
– Fique sabendo que estou com 102 anos e posso lhe assegurar que não tenho sequer um inimigo pessoal…
E diante da admiração que causou na minha fisionomia, ele continuou:
– Estou lhe dizendo. Não tenho nenhum inimigo, pois já morreram todos…
E caímos os dois na risada.