Lembranças de família

Quando eu era criança, muitas vezes via minha nona, de ônibus, ou mesmo a pé, levando um pequeno caldeirão com sopa minestrone (receita herança de família) ou uma bela canja. Isso significava que alguém, uma das tias, sobrinhos, netos, estava doente.

Não importava se era gripe ou problema de gravidez, como dieta, resguardo ou quarentena. Tendo recebido algum recado, nona vestia o avental e começava a mexer as panelas de sopa.

Durante muitos e muitos anos, nona foi uma mistura de médico socorrendo e amparando com suas receitas básicas e nutritivas, parentes, filhos, amigos vizinhos e quem mais precisasse. Nona conseguia fazer dos mais estranhos tubérculos, dos legumes mais diversos e das verduras mais amargas, caldos, capazes de “ressuscitar os mortos” como os adultos diziam na época.

Eu ficava sentada na cozinha, olhando-a despejar, com sua enorme concha, aquele caldo no caldeirão, até que envolvia o mesmo com uma grossa toalha de mesa e pronto! Ela tirava o avental, endireitava seu vestido e lá se ia – fosse cabeceira de doente, velório (que antigamente eram realizados nas residências), viúvos e viúvas recentes, grávidas, em fim de gestação ou algum acidente doméstico.

Acredito que foi aos trinta anos, quando me peguei com uma tigela plástica cheia de caldo de galinha para uma senhora simpática de cabelos grisalhos, que acabara de passar por uma cirurgia – que me dei conta: eu seguia os passos da minha avó, distribuindo a sopa de minha geração.

Pensando bem, deveria ter percebido muito antes. Minha mãe (filha da nona), por sua vez havia se tornado, também, uma distribuidora em nossa vizinhança. Para os que vinham até nós, nossa cozinha era o ponto de encontro para verdadeiras ‘confissões’ e desabafos.  Enquanto minha mãe cozinhava, ouvia-se de tudo. Havia sempre murmúrios de compreensão, palavras de ânimo, cafezinhos e biscoitos amanteigados.

Presenciando toda essa dedicação, foi muito fácil assumir esse manto de distribuidora. Hoje me dou conta do quanto esse trabalho nos faz bem.

Como disse minha mãe, certa vez: “Sabe, uma bela comida deixa a gente muito feliz. Com vontade de falar, de partilhar e de estar com as pessoas”.

Tudo isso para deixar uma mensagem aos corações aflitos.

A receita básica é: Pare um instante! Saboreie! A vida é bela!

Ditinha Schanoski

Cadeira nº 19 | Patrono Professor Benedito Motta Navarro