Livro mostra trajetória de ituano que foi o primeiro presidente negro da OAB/SP

Keila tem se dedicado aos estudos sobre a História da Educação dos negros no Brasil (Foto: Divulgação)

Lançado neste ano, o livro “O Infiltrado: Benedicto Galvão” conta a trajetória do ituano que foi o primeiro negro a presidir a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em São Paulo. A obra é de autoria de Keila da Silva Santos Rodrigues, doutoranda e mestre em Educação pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em Educação para as Relações Étnico-Raciais (UFSCar).

Irmã de Kelly Santos Müller, ex-jogadora do Ituano Basquete, Keila tem se dedicado aos estudos sobre a História da Educação dos negros no Brasil e às temáticas acerca de gênero e raça. E como ela chegou à história de Benedicto Galvão, figura pouco conhecida até mesmo aqui em Itu, sua cidade natal?

“Em 2017 ingressei no Programa de Pós-Graduação em Educação da Unifesp – Campus Guarulhos. Meu projeto tinha por objetivo investigar a representação das crianças negras no acervo das salas de leitura da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, no entanto, minha orientadora Profª. Dra. Mirian J. Warde sugeriu que eu mantivesse a temática étnico-racial, mas que atentasse para a Escola Normal de São Paulo, referência educacional na formação de professores do período republicano. Comecei a busca no Acervo da Escola Caetano de Campos e localizei fotos com algumas crianças negras”, conta ela. 

“Indagações surgiram: alguma daquelas crianças negras  teria conseguido concluir o curso e conseguido exercer a profissão de professor? Paralelamente, ao sobre a Escola Normal, me deparei com o livro de Patrícia Golombek, no qual ela reserva um capítulo aos afrodescendentes que estudaram naquela escola. Ela apresenta dois e um deles era Benedicto Galvão. Até onde ele havia chegado eu já sabia, professor e advogado, agora restava encontrar o ponto de partida”.

Keila conta que o processo de pesquisa foi “trabalhoso, mas muito gratificante”. “Além do Acervo da Caetano de Campos e da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, nos quais tive acesso aos livros de matrícula e   prontuário escolar, busquei informações nos jornais de Itu do final do séc. XIX e início do século XX, disponibilizado online pela USP. As dificuldades foram inúmeras, muito comum em pesquisa histórica e principalmente sobre a população negra há poucos documentos e fotos. Mas encontrei pessoas de boa vontade e solidárias, como o Sr. José Tucano, da Revista Campo&Cidade, cujas reportagens contribuíram para me apontar informações mais precisas sobre a vida do menino Benedicto Galvão”, relata.

A partir do que pode conhecer sobre a vida de Benedicto Galvão, parte de sua trajetória escolar e profissional, Keila acredita que ele deixa um legado de superação e coragem. “Ele ousou não aceitar as condições impostas pela pobreza de sua família, manifestou um ato de coragem quando ainda criança em uma premiação de final de ano escolar, o que mudou sua trajetória de vida pré-escrita pela condição de ser negro e pobre”, conta. 

“Seu legado demonstra que se negros e negras tiverem oportunidades iguais de competir conseguem chegar  a qualquer lugar. Embora saibamos que enfrentará o preconceito racial, mesmo se chegar à presidência do Brasil”, prossegue a autora.

Infiltrados

O livro analisa como um estudante negro conseguiu se “infiltrar” em espaços destinados à elite branca da época, como faculdade e até a chegar à presidência da OAB/SP. “A questão central era como Benedicto Galvão, um menino negro, nascido em pleno sistema escravista no Brasil, conseguiu chegar à presidência da OAB/SP? Por quais caminhos? E ao analisar a sua trajetória, percebo que ele não apenas foi ‘infiltrado’, mas também se infiltra, usa de táticas que permitiram a sua permanência em ambientes pouco frequentados por pessoas do seu pertencimento étnico-racial até hoje”, diz.

A autora explica que, atualmente, após anos de lutas e resistências dos movimentos negros e a favor das minorias invisibilizadas, à população negra tem sido permitido acessar espaços que até há pouco tempo era muito  difícil chegar. “Não apenas o acesso, mas a permanência, como as universidades públicas  e cursos de maior prestígio como os de medicina, direito e engenharias. Hoje ainda há barragens que precisam ser transpostas, para que os afrodescendentes ocupem seus lugares de direito”, declara. 

Para ela, a luta continua. “Há muito a ser conquistado, pois quando os afrodescendentes conseguem se infiltrar ainda enfrentam o preconceito racial, ou seja, mesmo com a capacitação , muitas vezes não é aceito por causa da cor da pele. Infelizmente, não é tão comum  pessoas negras nos cargos de chefia e de decisão em nosso país. Isso precisa mudar. Tenho muita esperança”, finaliza.

O Infiltrado: Benedicto Galvão
Editora: Appris
Número de páginas: 281
Ano da edição: 2021
Preço: R$ 49,50
Onde comprar: http://bit.ly/livro-infiltrado