O campeão de snooker

J.C. Arruda

Uma das poucas pessoas que frequentavam os três clubes de Itu era o Moacir Carvalho. Porque as pessoas da elite frequentavam o Ituano Clube, o pessoal da chamada classe média se utilizava do Clube Comerciários, enquanto que o Clube São Pedro era o refúgio dos trabalhadores, ou seja, a classe popular. E qual seria o segredo do Moacir para ter entrada facilitada em qualquer um dos três? Acontece que o jogo da rapaziada ituana, na época, era o bilhar e Moacir, se não era o melhor taco da cidade sempre, o era quase sempre.

Ele aprendeu a jogar no snooker do Ataliba que ficava na Praça da Matriz, no sobrado da esquina e que tinha no piso superior a sede do Auto Futebol Clube. Também no jogo de cartas, Moacir era um bambam, mas não estava entre os melhores. As vezes ganhava, outras perdia. Mas, no bilhar era quase imbatível. Nas raras vezes em que perdeu foi para o inesquecível Bauru, para o saudoso Nim Bundinha, para o talentoso André Gianetti e pouquíssimos outros mais. Quase sempre jogava a dinheiro, profissionalmente. Jogo de cartas só tinha no Ituano Clube e na sede do Auto, mas bilhar era praticamente nos três clubes.

Como não poderia deixar de ser, esse jogo monopolizou a cidade e os estudantes do Colégio Regente Feijó, eram cada vez mais numerosos para “enforcar” as aulas e se refugiarem num dos três clubes ou no snooker do Ataliba para exercer a arte do taco. E a maioria desses estudantes fazia questão de se aproximar do ídolo Moacir e, com ele, aperfeiçoar suas aptidões de meter as bolas nas respectivas caçapas. Graças a própria habilidade, Moacir praticamente passou a viver da sua arte e, além disso, achou prestígio também entre os rapazes da elite que se tornaram seus amigos e, sendo sócios do Ituano Clube, carregavam-no junto, para todos os acontecimentos do clube: bailes, shows, jantares etc.

Foi num desses bailes que Moacir cruzou com Selminha Duarte, filha de Amadeu Duarte, um dos ceramistas mais ricos de Itu. Dançaram um bolero de Cauby, bem juntinhos e, quando a seleção musical acabou, sem exageros, Selminha estava apaixonada. Os dias seguintes foi um Deus-Nos-Acuda na cidade ainda pequena. Pois o namoro dos dois se tornou realidade e as fofocas ferviam por Itu inteira. E o comentário era que Moacir e Selminha estariam reeditando o filme de Walt Disney “A Dama e o Vagabundo”, sucesso mundial naqueles anos.

O povo era a favor do romance, mas a família Duarte não admitia de jeito nenhum. O velho Amadeu que, na escola da malandragem, também tinha sido bom aluno, sentia o cheiro de Golpe do Baú, no ar. Mas, não teve jeito. Sabe aquele negócio de que quanto mais proibido, mais gostoso? Pois foi isso que aconteceu. O namoro se transformou em noivado e depois em casamento. Não antes de Amadeu impor uma condição. Só uma: o genro teria que ir trabalhar na Cerâmica com ele.

Sem saída, Moacir topou, mas teve que aceitar também a realidade de trabalhar no escritório, mas como funcionário comum, sob as ordens do Bertoldo que, não só era o gerente da empresa, como também o genro que Amadeu havia sonhado para Selminha, mas que sempre foi por ela recusado, talvez por ser 15 anos mais velho. Apesar de ciente dessa situação, Moacir tornou-se o mais eficiente braço direito de Bertoldo, até mesmo meio que puxa-saco. Só não conseguiu quebrar a antipatia permanente que o sogro tinha por ele. Até que um dia veio a desgraça: de tanto trabalhar, provavelmente, Bertoldo teve um infarte e morreu na hora, no próprio escritório, trabalhando.

O velho Amadeu exigiu que o velório do gerente fosse feito na própria cerâmica. O desejo não usual acabou sendo cumprido e a maioria das famílias dos funcionários esteve presente. Não foram poucas as pessoas que choravam ao se aproximar do caixão, pois o morto era estimado por todos. O patrão Amadeu não saia de perto do corpo, quando Moacir chegou no velório. Passou-se um pouco de tempo, ele criou coragem, se aproximou do sogro e falou com certa humildade:

– Meu sogro, agora que o querido Bertoldo está de partida, será que eu vou poder ocupar o lugar dele?

E o velho Amadeu, respondeu rápido:

– Pode sim, desde já! Veja se você cabe dentro do caixão!