O que o Jornal Periscópio representa em minha vida?

Por Renato Lima*

Sem dúvida, mais do que a faculdade, o Periscópio foi minha grande escola profissional. Perto dos 20 anos, após um teste de Redação com o Zé Carlos (Arruda, sócio-proprietário do jornal e ídolo do jornalismo impresso ituano), eu já me enveredava pelos bastidores da notícia. O país vivia as vésperas do impeachment de Fernando Collor. Nas ruas, os jovens, como eu, pintavam as caras e pediam a saída do presidente, marcado por denúncias de corrupção. Dias depois, ele renunciava.

 No jornal, minhas primeiras matérias eram  essas manifestações dos caras-pintadas, as pequenas enquetes nas ruas centrais da cidade, os bastidores das sessões da Câmara de Vereadores e as denúncias de populares a respeito do descaso das administrações municipais com seus bairros, ruas sem pavimentação, problemas de mato, esgoto, lixo, enfim, o cotidiano de toda cidade. 

Mas desde sempre a cobertura política fazia parte do meu currículo, desde a primeira semana de jornal até os últimos dias como repórter, assumindo, anos mais tarde, a editoria do jornal. Permaneci como editor-chefe até a virada do milênio, quando optei por cursar Roteiro de Cinema, TV e Documentário, em São Paulo, onde pude também conhecer outra mídia pela qual me apaixonei: as revistas! A paixão foi instantânea, o que me levaria anos depois a fundar, com meu sócio Zeca Almeida, a Revista Regional, aqui em nossa região.

Escola de jornalismo e escola de vida. Foi durante os anos de Periscópio que pude, junto aos demais colegas da Redação, vivenciar as maiores transformações do século, passando do sistema analógico ao digital. No primeiro mês de trabalho ainda usei uma máquina de escrever Olivetti, com as laudas em papel todas demarcadas, para que depois fossem revisadas a caneta pela editora (na época, a querida Monica Fukuda). 

Meses depois, surgiam os primeiros microcomputadores e seus CDs, depois vieram os disquetes, para, só anos mais tarde, serem definitivamente trocados pela internet e pelas redes internas. A mesma evolução do processo de produção de texto enfrentou a fotografia, que no início era revelada no laboratório do próprio jornal, pelo saudoso Seu Jaime (Vechiatto). Um parêntese: as fotos eram todas em preto e branco. Além da transformação do analógico para o digital, pude vivenciar ainda na minha década de JP, a chegada do novo parque gráfico, que garantiu ao Periscópio edições inteiramente coloridas.

Do Periscópio, guardo as melhores lições e as melhores lembranças. Uma vez me perguntaram qual teria sido, entre tantas histórias contadas, a mais marcante no período em que estive no jornal. Acho que todos, como jornalistas, ajudamos de alguma forma a sociedade; afinal, o fato de levar a informação básica a uma pessoa que não tem conhecimento algum, ajudá-la a lutar e garantir seus direitos básicos, já é uma dádiva! 

Mas lembro bem, talvez pela polêmica, de uma reportagem que fiz, na verdade uma denúncia, sobre crianças menores de 12 anos que estavam usando crack nas ruas de Itu. Isso em 1996, bem antes do crack tornar-se tão comum da rotina policial. 

Minha fonte era uma entidade que cuidava de menores dependentes. A presidente da ONG, chamada de ‘mãe’ pelas crianças, mantinha contato com todos os menores que estavam nas ruas naquela ocasião. Ela sabia bem o que estava falando e eu, pessoalmente, pude comprovar através de entrevistas que fiz com alguns garotos que estavam em tratamento. A polícia e as autoridades da época contestaram. A TV Globo foi para Itu e também mostrou a denúncia, ouviu os menores e a entidade. 

Tempo depois, a própria Prefeitura e a polícia passaram a se mexer! As histórias daqueles garotos, vítimas de nosso sistema, me impressionaram! Óbvio que, entre milhares de notas e matérias em quase dez anos de jornal, foram inúmeras histórias marcantes. Quanto à lição, a maior, sem dúvida, foi a da liberdade de imprensa. Em tempos atuais em que o jornalismo é tratado com desmerecimento por uma parte da população, graças à polarização do país, a liberdade aprendida no Periscópio se faz vital para a democracia nesses tempos tão sombrios. 

Se o público te aplaude hoje por denunciar político A, amanhã ele te odiará por fazer o mesmo com o político B. Esse é o verdadeiro jornalista: atacado, xingado, humilhado, mas sempre na linha de frente, imparcial, e no cumprimento de seu dever maior: noticiar os fatos e defender a sociedade. 

Para que os leigos entendam nossa função, quero terminar destacando os deveres de um jornalista, segundo o nosso Código de Ética: “Divulgar todos os fatos que sejam de interesse público; Lutar pela liberdade de pensamento e expressão; Defender o livre exercício da profissão; Valorizar, honrar e dignificar a profissão; Opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos do Homem; Combater e denunciar todas as formas de corrupção, em especial quando exercida com o objetivo de controlar a informação; Respeitar o direito à privacidade do cidadão; Prestigiar as entidades representativas e democráticas da categoria”.

* Editor e sócio-proprietário da Revista Regional. Trabalhou como repórter e, posteriormente, editor do Jornal Periscópio entre os anos de 1992 e 2001.