O tempo não para

Por André Roedel 

Estivesse vivo, Agenor de Miranda Araújo Neto completaria 60 anos no último dia 4 de abril. Cazuza, como era mais conhecido, é dono de letras brilhantes e canções inesquecíveis, como O Tempo Não Para. A música de coautoria do poeta do rock é daquelas que não se perdem com o passar dos anos. Cada verso parece ecoar em nosso país a cada década que passa. Em especial “eu vejo o futuro repetir o passado”.

Essa frase é tão atual, tão significativa para o Brasil de hoje, que faz parecer que Cazuza tinha uma bola de cristal – se bem que não é necessário nenhum artefato mágico para prever os absurdos que ocorrem por essas bandas. A cada dia é um novo escândalo que surge, uma nova investigação que não dá em nada, um político que é pego desviando dinheiro… E nada muda. E só se repete.

É, como Cazuza bem descreveu, o futuro repetindo o passado, num grande looping de desaforos para o povo brasileiro. Desaforo como o foro privilegiado, que protege figurões que estão até o pescoço encobertos por falcatruas e esquemas escusos – seja ele de direita ou esquerda, porque a corrupção nesse país já se tornou ambidestra.

Transformaram o Brasil inteiro em um grande puteiro, ainda seguindo a canção de Cazuza. Voltando ao trecho sobre o futuro repetir o passado, agora vivemos até a incerteza de um golpe militar, tal qual o de 1964 (que muitos ainda teimam em negar que ocorreu). O tema voltou à tona com as recentes e perigosas declarações dadas pelo comandante do Exército Brasileiro Eduardo Villas Bôas no Twitter – corroboradas pela própria instituição militar.

Além disso, tivemos dois impeachments de presidentes eleitos em um período de menos de 30 anos, isso já após a democratização. Tudo para corroborar a sina do amanhã plagiar o ontem, como Cazuza levantou em sua música… E o artista é também coautor de outra canção que reflete bem o nosso país, batizada, sugestivamente, de Brasil.

Música-protesto dos anos 1980, ela é um grande manifesto contra os escândalos políticos, as desigualdades sociais e as injustiças de todas as formas. Novamente: mais atual, impossível. Nela, Cazuza pedia que o Brasil mostrasse a sua cara. Queria saber quem paga pra gente ficar assim. Mais de 30 anos se passaram e as dúvidas permanecem.

Aliás, a mesma incapacidade de agir ante tantos desaforos que Cazuza parecia sentir na época em que escrevia suas canções pode ser sentida novamente agora – olha o futuro repetindo o passado novamente. Somos surrupiados todos os dias com impostos altíssimos que não são revertidos em benesses públicas. Somos alvos de injustiças cometidas muitas vezes pela própria Justiça, hoje mais preocupada com a sua imagem do que ser justa. Somos reféns de um jogo político que dia após dia nos desanima, fazendo a gente querer esquecer desse nosso Brasil.

Cazuza morreu. Seus sonhos foram com ele. Porém, os nossos ainda permanecem aqui com a gente. Não podemos abaixar a cabeça para os desmandos de tribunas e tribunais, que só olham para seus próprios umbigos – coisa que fica cada dia mais evidente em meio a um show midiático em que investigação policial vira filme e até série de TV. Precisamos unir nossos sonhos com os do poeta do rock e acreditar que ainda dá, porque o tempo não para. Confia em mim.

2 comentários em “O tempo não para

  • 11/07/2018 em 18:57
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    Brasil: esse sim é um país que gosta de vice subindo à presidência, de Floriano Peixoto até o atual Michel Temer. Seria a tal do “futuro rGuepetindo o passado”?

  • 11/07/2018 em 18:59
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    corrigindo: repetindo ao invés de rGuepetindo

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