O velho judeu

J.C. Arruda

Você que está lendo esta coluna deve estar com o saco cheio de episódios do passado. Mas, se o título é Histórias e Milongas fica difícil de abordar histórias do futuro, não lhe parece? Assim, talvez isso justifique a lembrança de que houve um tempo em que Itu tinha a convivência cordial entre árabes e judeus. Ou será que alguém esqueceu que Itu já teve até candidato a Prefeito judeu, na figura do engenheiro Maurício Gun? E mais: que esse judeu teve o apoio abertamente numa família de árabes influentes na cidade, os Simeira, tendo a frente o inesquecível Carlos Simeira que era diretor da Associação Comercial de Itu.

Foi um tempo bom quando Itu tinha os Simeira, os Cutait, os Cury, os Gadia, os Elias, os Kiriazi etc. Tinha até os Malatiam que não se sabia se eram árabes ou armênios. Estes e outros conviviam harmoniosamente com as famílias de Issac Shapiro, Simon Halperin, Abraão Feldman, Maurício Gum, Issac Gorestein, Jaime e Lola Slama Maytliz que eram pais de Aba Slama Maytliz que chegou a ser presidente do Grêmio Paula Souza, na Escola Regente Feijó. Estes todos judeus, bem antes da chegada em Itu do empresário Jacob Federmann. O interessante é que os chamados “árabes” ainda permanecem em Itu até os dias atuais, enquanto que os ‘judeus” quase que desapareceram da cidade. Entre eles, o que mais se destacou foi o atual deputado federal Walter Feldman que passou a infância e a adolescência em Itu e nunca mais voltou.

Tanto com os “árabes” como com os “judeus” sempre tive, felizmente, a melhor relação de amizade, principalmente porque apreciava ouvir as histórias que eles gostavam de contar de seus antepassados. Tanto que nunca consegui entender o porquê das guerras constantes entre árabes e judeus, no Oriente Médio. Costumava perguntar: porque eles se entendem por aqui e se matam por lá? Quando fui para a PUC de Campinas fazer o meu curso de jornalismo, por coincidência ou não, acabei fazendo amizade com o aluno Ibraim Meyer. Claro que, com esse nome, só podia ser judeu, né! Foram 4 anos de alegria, pois o cara era um porra-louca divertido, além de inteligente. Chegava até a ir comigo na Capela da Faculdade nos dias de missa, só por companhia. Ele também pretendia ser jornalista e se formou comigo em 1977. Voltei para Itu, pro Periscópio e Ibra, como era conhecido, foi para a Capital. Dizia que ia tentar fazer carreira na Folha ou no Estadão. Perdemos contato por mais de 30 anos.

Dia destes, estava eu defronte uma banca de jornal na Avenida Paulista em São Paulo, quando senti alguém tocar no meu ombro. É isso mesmo que você está pensando: Era o Ibra que me reconheceu. Ele também foi por mim reconhecido, mesmo porque tenho apenas dois anos a mais de idade. Nos cumprimentamos com um aperto de mão e com um abraço e iniciamos (como não poderia deixar de ser) a “sessão nostalgia”. Ele me contou várias passagens da vida pós faculdade. Que tentou o jornalismo, mas acabou empresário, por razões financeiras. Que tinha casado, que tinha um casal de filhos e dois netos. Contou que visita Israel pelo menos uma vez por ano para rezar no Muro das Lamentações, o local no mundo mais sagrado dos judeus. Me falou inclusive de fato interessante. Da última vez em que esteve no Muro das Lamentações percebeu a presença de um senhor idoso que, também nos anos anteriores, ia diariamente ao Muro para suas orações. Criou coragem e abordou o ancião.

– Todos os anos em que venho aqui, constato que o senhor vem diariamente fazer suas orações. Estou certo?

– Sim, respondeu o ancião. Tenho 92 anos e faz 80 anos que venho diariamente a este muro sagrado.

– Ah. é! E o senhor reza pedindo o que nestes anos todos?

– Rezo pela paz entre judeus, muçulmanos e cristãos; rezo para que o ódio pare e que nossos filhos cresçam todos juntos em Paz e Amizade – Disse o velho.

– E como o senhor se sente após 80 anos de orações diárias?

– Sinto-me como se estivesse falando com a parede…

Só durante a viagem de volta para Itu percebi o sarcasmo!