“Paparazzi”, de Matéi Visniec: a provocadora nova peça do Nósmesmos

Por André Roedel

Juliano Mazurchi em cena na peça “Paparazzi” Foto: André Roedel

Quando o espectador entra no teatro e olha para o palco, já percebe que não se trata de uma peça comum. O cenário, composto por andaimes de obras, é algo pouco visto nos palcos da cidade. A estranha paisagem foi montada para a peça “Paparazzi”, escrita pelo dramaturgo romeno Matéi Visniec, que foi adaptada pela companhia teatral Nósmesmos. A estreia, com bom público, ocorreu na noite do último sábado (02). O diretor e ator Juliano Mazurchi comenta a ousada escolha.

“Tudo começou quando iniciamos um treinamento diário com os atores do grupo. Estamos trabalhando há seis meses com o treinamento de corpo e voz, através da experiência que tive na passagem pelo CPT (Centro de Pesquisa Teatral) de Antunes Filho, em 2018. Nesse processo, tive contato com a pesquisa e seu ‘Método do Ator’, fruto de mais de 30 anos de pesquisa no CPT. Durante esses treinamentos diários, surgiu a possibilidade de uma montagem de um texto do dramaturgo romeno Matéi Visniec. Desde agosto desse ano estamos trabalhando o texto e a sua linguagem que vem do Teatro do Absurdo”, comenta ele.

Mazurchi destaca os desafios impostos pela peça, como o cenário. “O desafio dessa produção foi de transformar o palco nos ambientes tão distintos que pede o texto. Isso num palco sem grandes recursos cênicos, como é o nosso. Optamos por utilizar andaimes; assim conseguimos criar três planos diferentes no mesmo palco”, explica. Diante do tom diferente das tradicionais peças da companhia – famosa pelo seu “Por que os homens mentem?”, mas que vem se arriscando em dramas pesados como “Hamelin” –, é impossível não se questionar: o público vai se identificar com ela? Juliano Mazurchi responde.

“Pois esse é o grande dilema de um artista: criar uma obra que ‘toque’ o público e ao mesmo tempo tenha um refinamento artístico. Faço teatro há 20 anos, nessa trajetória criei o Grupo Nósmesmos em parceria com Christian Hilário e nesses 15 anos de grupo tivemos oportunidade de experimentar várias vertentes do teatro. Uma forma de não acomodar é buscar novas linguagens e pesquisas. Não paramos nunca. Sempre estudando, fazendo novas parceiras, conhecendo novos diretores. Isso faz com que sua visão sobre teatro, arte e a vida amplie. Assim, uma dessas ampliações foi o contato com textos do autor Matéi Visniec. Ele é considerado o ‘novo Ionesco’ (também autor de teatro), um dos responsáveis por dar continuidade ao gênero de teatro do absurdo. Essa gênero é o nosso grande desafio de hoje: encenar um texto que tem humor nonsense (não um humor escrachado) e também é poético. Então, respondendo sua pergunta: sim, acredito que o público irá se identificar, porque o ser humano é humor e poesia”, frisa.

E a identificação passa pela atemporalidade do texto, que faz uma crítica à sociedade de consumo. A peça retrata o começo do fim do mundo, passando por personagens como um gângster, estrela de cinema, paparazzo, pesquisador, funcionário público, músico, mendigo, etc. Eles atravessam uma noite de incertezas sem saber se haverá o amanhã. A partir desse fato, relações inusitadas se estabelecem entre pessoas desconhecidas que vagam pelas ruas e ambientes noturnos da cidade, criando uma atmosfera caótica e absurda. Em ritmo cinematográfico, a peça aborda esse tema de forma envolvente e poética.

“Embora o texto tenha sido escrito em 1997, há mais de 20 anos, ele continua atual. A tecnologia avançou bastante em duas décadas, porém, o ser humano talvez tenha retrocedido. A peça fala de uma explosão cósmica que alterou a forma do tempo aqui na Terra e a possibilidade de o Sol não surgir mais. Mas o grande paralelo que faço é das pessoas não se ouvirem mais. Isso é muito atual, não é? Seja em qualquer segmento, as pessoas não estão exercitando a escuta. Pode ser considerado o grande mal da atualidade. É disso que nosso espetáculo fala. Por isso é tão atual”, finaliza.

Serviço
Peça “Paparazzi”
Onde: Teatro Nósmesmos (Unicenter)
Quando: todos os sábados (às 20h) e domingos (às 19h) de novembro
Quanto: R$ 50 (R$ 25 meia-entrada)
Onde comprar: megabilheteria.com
Mais informações: (11) 99698-0208