Para inglês ver

Por André Roedel

 

No último domingo (05), estudantes brasileiros de todo o país realizaram o primeiro dia de prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Para a surpresa de muitos, o tema da redação da avaliação neste ano trouxe um tema importante, mas que ainda não é tratado como deveria ser: a inclusão de deficientes auditivos.

Mais precisamente, a redação do Enem propunha ao estudante realizar uma redação dissertativo-argumentativa a respeito dos “desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”. Resumir todos eles nas 30 linhas disponíveis talvez seja o maior dos trabalhos. Isso porque esse tipo de problema não é tratado da forma correta no país.

Só pra se ter uma ideia do despreparo do sistema educacional com relação a essa deficiência, no mesmo dia em que o Enem propunha uma redação sobre as dificuldades dos surdos, um jovem deficiente auditivo foi retirado da sala e revistado por estar usando um aparelho de surdez, quando fazia a prova em Santa Bárbara D’Oeste (SP).

O ensino de Libras (Língua Brasileira de Sinais), utilizada pelos surdos e mudos na comunicação, está longe de ser disciplina base nas escolas pelo Brasil afora. Para muita gente, a língua é tão ou mais “alienígena” do que outro idioma estrangeiro qualquer. E esse estranhamento vem pelo fato de que ensino da língua de sinais chegou a ser proibido em um congresso em Milão no ano de 1880, que forçou a oralização aos surdos no mundo todo. Aqui no Brasil, apenas no ano de 2002 a Libras foi oficialmente reconhecida e aceita como segunda língua oficial brasileira.

Mas os desafios não ficam restritos aos deficientes auditivos. Pessoas com deficiências visuais, cadeirantes, com dificuldades motoras e qualquer outra deficiência enfrentam, dia após dia, uma grande batalha para serem incluídas na sociedade. E essa batalha também acontece em Itu.

Nesta semana, por exemplo, tivemos dois simples casos de como o sistema não está preparado para se adaptar às necessidades dos deficientes. Em frente ao Colégio Monteiro Lobato foram instalados dois postes de energia elétrica bem no meio da calçada. Acontece que a empresa responsável não se atentou de que a escola possui estudantes cadeirantes, que estão passando por dificuldades para passar pelo local.

Já na Câmara de Vereadores, um projeto do vereador Macruz (PTB) gerou grande polêmica e acabou sendo retirado pelo próprio autor. A propositura previa que restaurantes, hotéis, bares e afins disponibilizassem cardápio em Braille – sistema de leitura de cegos. Porém, alguns vereadores promoveram críticas ao projeto por conta dos gastos e inconvenientes que este poderia gerar aos estabelecimentos ituanos.

O fato só não causou tanta revolta porque há cada vez menos pessoas acompanhando os trabalhos legislativos. Fosse isso em uma Câmara de São Paulo ou Sorocaba, por exemplo, certamente geraria protestos por parte de associações voltadas aos direitos dos deficientes visuais.

Mas, da mesma Câmara que veio esse exemplo ruim, também vem um bom exemplo – e que vem, de certa forma, ao encontro do tema do Enem citado lá no começo do texto: a tradução em Libras de todas as sessões legislativas. Se ainda não é o ideal, pelo menos é um começo. Que outros órgãos públicos e privados comecem a perceber que o tema é cada dia mais vital e que, assim, tenhamos acessibilidade de verdade, não apenas para inglês ver.