Presença de espírito

Uma cena banal, comum aos brasileiros, teve repercussão nacional naquela semana em quase todos os órgãos de comunicação do país. O assessor da Presidência da República, Marcos Aurélio Garcia, assistia ao Jornal Nacional no seu gabinete em Brasília e, exatamente quando encerrou-se uma das notícias, ele comemorou com um gesto que é normal entre as pessoas, especialmente do sexo masculino: bateu com a palma da mão direita aberta, sobre a mão esquerda fechada, no famoso top-top-top.

Embora estando em seu gabinete particular e acompanhado de um secretário, o assessor presidencial não poderia imaginar que estava sendo filmado pela televisão, de um prédio próximo. A reação da mídia foi generalizadamente negativa por se tratar de um momento de grave consternação nacional (acidente de avião com dezenas de vítimas). Um gesto desses, em ocasiões normais é, quase sempre, entendido com bom humor, mas, desta vez, funcionou ao contrário. Aliás, só as pessoas mais maduras usam atualmente essa manifestação manual para mostrar que alguém ou alguma coisa se ferrou, ou melhor, “sifu”. A moçada de hoje, influenciada pela cultura norte americana, quando quer mandar alguém “sifu” ou dizer que alguém “sifu”, usa apenas uma das mãos fechada, mas tendo o dedo maior, o “pai de todos” levantado em direção ao alvo. Acho que é até bem mais agressivo do que o top-top-top.

Mas, me recordo de uma cena na Praça da Matriz em Itu, quando o saudoso João José Bolognesi, o “Bodinho” estava atravessando a rua para adentrar a praça, sendo quase atropelado por uma Brasília apressada, veículo que, naquele tempo, estava na moda. Bodinho, como já contei aqui anteriormente, era e é uma das pessoas com presença de espírito mais rápida e esperta que já conheci.

Pois bem. Quando viu que iria ser atropelado, deu um pulo para dentro da praça e, tão logo a Brasília passou, ele voltou para o meio da rua e fez em direção ao retrovisor do veículo que já passara, o famigerado top-top-top. A Brasília deu a volta em torno da praça e, quando chegou ao local do quase atropelamento, estacionou. De dentro saiu um bruta homem forte e mal encarado que foi logo se dirigindo a Bodinho: “Escuta, ô cara! O que você quis dizer com aquele gesto?” E Bodinho, rápido no gatilho, respondeu, ao mesmo tempo em que repetia o top-top-top: “Eu gritei toca a buzina, nêgo!” Quem estava por perto, caiu na risada e para encerrar, até o valentão entrou na Brasília e partiu… Rindo e balançando a cabeça para os lados.

Outra que me veio à cabeça. Quando a indústria Schincariol começou a se expandir, passou a adquirir tudo quanto era propriedade na estrada Itu – Porto Feliz que tivesse água boa. Chegou a hora que não havia mais o que comprar, a não ser uma área anexa à fábrica. Acontece que nessa área está o Clube Recanto Olímpico de gloriosas tradições. O saudoso Nelson Schincariol fez então várias propostas tentadoras à direção do clube ao qual, diga-se de passagem, ele também freqüentava. Mas, não houve meio de se chegar a um acordo.

Por fim, Nelson fez a última proposta: se incumbiria de construir um clube novo para o Olímpicos em área muito maior e com instalações modernas e ampliadas. A oferta era sensacional, mas não conseguiu convencer os associados, pois o Olímpicos fora construído praticamente com o suor e com as mãos de cada sócio e familiares. A diretoria resolveu então agradecer à oferta, mas recusá-la por meio de um ofício. Quem se encarregou do ofício? Isso mesmo: João José Bolognesi, o Bodinho.

No ofício, Bodinho tentou explicar da melhor maneira a Nelson (que sempre foi um benfeitor do clube) as razões sentimentais que impediam a transação. Que todos sentiam muito em não poder atendê-lo e que esperavam que ele continuasse a freqüentar o clube como o companheiro que sempre foi etc., etc.. E para encerrar o ofício, Bodinho tascou por conta própria: “… e já que não foi possível lhe vender a área pretendida, gostaríamos de ver a possibilidade do Clube Olímpicos comprar toda a área da Schincariol, incluindo a fábrica. Se concordar, favor abrir preço.”

Dizem que Nelson ficou uma semana dando risada…