Ruim pra quê? Ruim pra quem?…

…infeliz do povo que não sabe de onde vem!

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Ana Luísa Tomba

O dia da Consciência Negra existe para que a importância da resistência negra, desde a época da escravidão, seja lembrada. Formando mais da metade da população brasileira, o negro carrega uma riqueza histórica e cultural que se faz presente em grande parte da rotina social, mas, por vezes, passa despercebida.

O que não deixa de ser notada é a influência da cultura americana e europeia sobre a maioria dos negros. Seja nas roupas, gostos e, principalmente, nos cabelos. A pressão social e os olhares tortos para os cabelos crespos obrigam – indiretamente – o alisamento a qualquer custo.

Em agosto deste ano, a estudante de Direito Lauren Amaral, de 20 anos, parou de usar procedimentos químicos no cabelo. “Desde meus 4 anos e por simples pressão social, quis intervir de qualquer forma que fosse para me encaixar no padrão branco do cabelo liso. Coisas de criança negra, né?”, comenta.

O que acontece com a Lauren é a realidade da maioria das meninas e meninos negros no mundo globalizado de hoje: a busca pela perfeição estética, seguindo o padrão americano/europeu, faz o cabelo liso ser cobiçado e o cabelo crespo menosprezado. “Chegou num ponto em que a raiz do meu cabelo crescia o mínimo e eu me via desesperada”, desabafa.

Felizmente, há outra tendência ganhando força e fazendo a cabeça dos naturalmente cacheados: a transição capilar – processo de abandonar as químicas que alteram a estrutura do fio para assumir o natural. Mas isso não é algo simples. Exige muito cuidado, hidratação e, principalmente, paciência. No entanto, ter a coragem de assumir as próprias raízes garante um resultado incrível. “Conheci pessoas que reconhecem minha beleza intelectual, conheci quem me ache bonita com olheiras e espinhas. Conheci pessoas maravilhosas que me mostraram que eu poderia ser linda sendo eu mesma”, conclui Lauren.

O poema “Milionário do Sonho”, do rapper e compositor Emicida, explica a importância da desconstrução do cabelo afro como o “cabelo ruim”
“(…)
Tendo um cabelo tão bom, cheio de cacho em movimento, cheio de armação, emaranhado, crespura e bom comportamento, grito bem alto, sim! Qual foi o idiota que concluiu que meu cabelo é ruim? Qual foi o otário equivocado que decidiu estar errado o meu cabelo enrolado? Ruim pra quê? Ruim pra quem?
Infeliz do povo que não sabe de onde vem
Pequeno é o povo que não se ama, o povo que tem na grandeza da mistura o preto, o índio, o branco, a farra das culturas
Pobre do povo que, sem estrutura, acaba crendo na loucura de ter que ser outro para ser alguém
(…)”
Emicida – Milionário do Sonho

>> A cabeleireira Gabriela Cristina Santos, do Salão Negra Show, de Itu, conta que, apesar do cabelo crespo requerer alguns cuidados, não é nada que atrapalhe a rotina normal de uma pessoa. “Os cuidados são simples: apenas a lavagem normal e deixar secar naturalmente já são o suficiente. Quem quiser mudar o visual e fazer as tranças não precisa esperar o cabelo crescer muito; é possível trançar em cabelos curtos também”, explica a profissional.

arthur

>> O estudante Arthur Petrone, de 18 anos, inspirado pelo pai, decidiu assumir o cabelo estilo black power. No entanto, conta que por ter muito cabelo e sentir calor, já adotou o visual de tranças também. Hoje, com o cabelo black, Arthur comenta: “Quando eu assumi meu próprio estilo, passei a não só gostar mais de mim, como a cuidar mais de mim, justamente por causa do meu cabelo”.