Uma história de Natal

A contagem regressiva começa. A cada dia, uma porta. A cada porta, uma lembrança: clips coloridos, bombons, lápis de cor, um pequeno par de brincos, marcadores de páginas. Tradição incorporada de uma família de amigos alemães. Mas a grande parte da decoração de Natal é feita hoje. Um a um, os enfeites vão sendo retirados dali e colocados em seus devidos lugares: o boneco de neve na bancada, o papai noel na mesa do canto, o presépio, no rack da televisão e o pisca-pisca… Não que fosse imprescindível decorar a casa para o Natal. Muito pelo contrário. A véspera do Natal, esperada em regressiva, não será passada aqui. Todo ano a gente encontra a família. Esse ano não será diferente.

O peru no formo e a família na missa. Mamãe reza emocionada, me pergunto se é fé ou se é para que dê tempo de chegar em casa sem queimar a estrela da ceia.

Depois de certificado se está tudo certo, hora de pegar a farofa, a sobremesa e sair. A farofa, não! As farofas. Tem farofa de todo tipo: com frutas e sem frutas; com miúdos e sem miúdos; com frutas e miúdos; sem frutas e com miúdos; sem nada, só farinha e bacon; sem bacon porque a namorada do filho da prima está de dieta. Porcionado para não sobrar comida, mas também para não faltar, e se alguém resolver experimentar a farofa do outro, será que dá? Deve ser algum cálculo mágico, porque não faz sentido, ou faz?

Só de pensar na farofa (já disse, AS FAROFAS!!!), tenho dó da tia que ficou responsável pelo salpicão. Será que vão fazer uma opção com maçã e sem o frango desfiado?

A sobremesa é também uma aventura. Sorvete que está meio que derretendo porque o freezer está lotado de garrafas de refrigerante, cerveja e o espumante para a meia noite. O manjar branco, que vovó fazia com calda de ameixas, mas que com o aumento da família, foi promovido a manjar branco com calda de ameixa, com calda de cereja em conserva, e com calda de chocolate. Desde o ano passado abolimos o pavê, ninguém aguentava mais o “é pavê ou pacomê?”.

A casa da ceia tem uma dinâmica diferente todo ano. Às vezes é uma disputa para ver quem sedia a ceia, outras, um jogo de empurra pra ver quem não sedia. Minha participação nessa disputa sempre engrossa a fila do jogo de empurra. Mas sempre se resolve no final, assim, com uns dois ou três dias de antecedência.

Tudo pronto. As bebidas no porta-malas do carro, e a gente segurando a comida, tentando não encostar as travessas na roupa. Quesito equilíbrio: 10! (opa, é Natal, Carnaval ainda está longe).

Chegando à casa da minha tia, se a família toda já estiver lá — o que é muito provável, se você tiver que levar todas essas farofas — a nova saga recomeça, especialmente se vocês ficaram um tempo sem se ver.

A primeira pergunta sempre tem a ver com algo que você não quer comentar a respeito: peso, estado civil, gravidez. Não importa se é a Gisele Bündchen, a Kate Middleton ou a Fátima Bernardes. Tudo será motivo de inquérito à Lava Jato. Mas o fato é que, passado esse primeiro momento, depois da “Ave Maria” que antecede o início do jantar, tudo vira festa, especialmente a hora em que aquele tio mais rechonchudo se veste de Papai Noel para distribuir os presentes da primaiada.

Barriga cheia e presentes desembrulhados, hora de encher os tupperware com comida pra semana inteira e começar a definir quem leva que prato pra noite do ano novo. E, mais importante, torcer para que a Força Tarefa da Lava Jato familiar pegue leve no inquérito do réveillon.

 

Denise Lícia Boni de Oliveira Gasparini

Cadeira nº 3 | Patrono: Francisco Nardy Filho