O PRIMEIRO LIVRO
Preguiçoso leitor que fui quando criança, hoje dedico o tempo que posso à leitura. Mas tem que ser livro impresso: e-book não tem graça alguma!
Conservo pequena biblioteca em casa, muito especializada em história, artes e literatura brasileira. Fui buscar no passado qual teria sido meu primeiro livro. Encontrei um magrinho exemplar, que traz forte recordação de quem me presenteou, ainda no tempo da minha preguiça. Era um tio da família materna, chamado João Olivério de Sousa. Em casa era chamado Joca, um tipo curioso, muito prosa; entendia de diversas coisas, mas muito surdo e teimoso, o que dificultava a conversa!
Sua formação foi minúscula, três meses na escola, o que bastou para alfabetiza-lo. Escrevia cartas em forma de telegrama, sem pronomes; Lia com facilidade, interessado em assuntos diversos. Nos últimos tempos falava muito do cosmos!!
A vida no sítio não lhe proporcionou grande oportunidade. Nascido na fazenda paterna, em Gravatal (Santa Catarina), com pouco mais de vinte anos veio para a casa do irmão mais velho, farmacêutico, em São Paulo. Conseguiu o único emprego da vida, onde se aposentou, trabalhando no setor de entregas do Laboratório Fontoura. Ajeitou-se em uma pensão, na Rua do Carmo, 198, pegada à Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte. Nessa casa viveu por trinta anos. Solteiro, nunca teve pretensão de formar família, nem ter sua própria casa. O sobrado eclético ainda existe, é imóvel da prefeitura em ruínas. Um de seus companheiros de quarto foi um jovem estudante, que trabalhava durante o dia e estudava a madureza no curso noturno, Florestan Fernandes. Tornaram-se bons amigos.
Tio Joca vinha para Itu todos os finais de semana. Certamente seu temperamento dado à leitura e à prosa o fez entender que o sobrinho-neto, um tanto predileto, deveria ganhar um livro daquela vez, diferente das balas de sempre; ajudaria a ampliar o repertório de conhecimento. Assim, em 7 de novembro de 1977, eu com sete anos, encerrando o primeiro ano da escola e ele com setenta e um, já aposentado, compartilhamos a leitura de “O que devemos saber sobre fazendas”.
Ele quis que o presenteado, caipira da cidade, conhecesse melhor o universo rural, no qual ele passara infância e juventude.
O volume, de 44 páginas, faz parte da coleção “pingos de ouro que eu sei ler” e é uma adaptação de Luiz Fernandes da história original escrita por Ann Campbell. Entre imagens e textos curtos informa o pequeno leitor que “quase tudo que comemos vem das fazendas”, como está na primeira página. Vejo que tentei colorir algumas figuras, pois são quase todas em tons de cinza e amarelo.
O que seria desse livrinho hoje, sem graça aos olhos das crianças, acostumadas a produções coloridas e atraentes?
Não me recordava mais da história, precisei reler: nem um pouco atraente. Mas guardo o exemplar faz quarenta anos, não só porque foi meu primeiro livro, mas, sobretudo pelas mãos notáveis que me presentearam.
Luís Roberto de Francisco
Cadeira nº 30 | Patrono Tristão Mariano da Costa