Tempos interessantes
Por José Renato Nalini*
Quando os chineses dizem a alguém que “viva tempos interessantes”, não está fazendo bom augúrio. Ao contrário. Tempos interessantes são aqueles em que a surpresa pode não ser a mais agradável, em que há sustos, sobressaltos e turbulências. Exatamente como aqueles que o Brasil vivencia.
Como é que se concilia a vontade do brasileiro ser feliz, ter emprego, ter saúde, ter moradia, ter saneamento básico e educação digna, com a violência que irrompe em todos os espaços e deixa uma sensação permanente e perturbadora de insegurança nas mentes lúcidas?
Qual é a perspectiva de atender aos compromissos internacionais resultantes de tratados formalmente firmados, com vistas a reduzir o impacto do aquecimento global e as nefastas consequências climáticas, se tudo na prática evidencia o contrário?
Na visão macro, há um lobby poderosíssimo a insistir na tecla de que não existe o aquecimento global. Tudo balela. Invenção de fundamentalistas a serviço da teoria conspiratória que quer ver o Brasil longe do progresso. Especialistas e pós-graduados desenvolvem teses, bem remuneradas e melhor divulgadas, com explicações pseudocientíficas para viabilizar a meta: continuar o desmatamento, acabar com as florestas, preservar a insensibilidade quanto à extinção do verde e da biodiversidade. Tudo para que haja lucro, o móvel absoluto de um capitalismo sem alma.
Na esfera micro, cidadãos com veículos do ano, param junto às margens dos rios mortos da capital – Tietê, Tamanduateí e Pinheiros – e continuam a lançar o lixo que acumulam em suas casas. O mesmo acontece em relação aos demais rios e aos cursos d’água que assassinamos na nossa ignorância.
Os exemplos são inúmeros. Como explicar essa volúpia em produzir papel de propaganda que é quase imposto ao pedestre nas grandes vias e que vai ser de imediato jogado ao chão, depois às bocas-de-lobo, depois aos sobrecarregados córregos? Entopem todos os canais de escoamento, oneram os orçamentos públicos, envenenam as águas e constituem o maior testemunho de nossa indigência ética.
Somos um país interessante. Possuímos os melhores textos normativos de tutela ambiental. Mas temos a prática mais perversa, insensível, cruel e insensata em relação à natureza. Já estamos pagando por isso. Mas, o que é pior, estamos condenando nossa descendência a viver tempos interessantes.
* É reitor da Uniregistral, autor de “Ética Ambiental”, docente da UNINOVE e Presidente da Academia Paulista de Letras -2019-2020.