Sete respostas para as desinformações mais compartilhadas sobre o novo coronavírus
Por Bruno Fávero
Agência Aos Fatos – aosfatos.org
Ao mesmo tempo em que cresce o número de casos do novo coronavírus no Brasil e no mundo, aumenta a disseminação de peças de desinformação nas redes sociais que prometem curas milagrosas, contradizem recomendações oficiais e dão espaço a teorias conspiratórias e sem fundamento. Pensando nisso, o Aos Fatos preparou uma lista com sete perguntas e respostas sobre a doença baseada nas publicações enganosas de maior alcance que checamos até agora:
1. A Covid-19 mata tanto quanto uma gripe?
As pesquisas sobre o novo coronavírus estão no começo, mas há evidências preliminares de que sua taxa de mortalidade seja significativamente maior do que dos vírus do tipo influenza, causadores da gripe.
Um estudo da London School of Hygiene & Tropical Medicine estimou a mortalidade da nova doença em 0,5% do total de infectados (contando casos não diagnosticados). Outro, da Universidade de Bern, na Suíça, calculou esse número em 1,6%. Já a gripe comum mata 0,1% e o H1N1 mata 0,02% dos infectados, estimam, respectivamente, o CDC, órgão de controle de doenças dos EUA e um amplo estudo de 2013.
Mesmo com essas diferenças, publicações em redes sociais e líderes políticos como Bolsonaro e Trump têm espalhado a desinformação de que a Covid-19 é equivalente à gripe comum ou que a atual pandemia é menos grave do que o surto de H1N1 da década passada, como sugeriu um post do pastor Silas Malafaia.
Outras doenças. Abaixo, é possível comparar o novo coronavírus com a gripe comum e outras infecções, por estimativas de mortalidade e transmissibilidade.
2. Já há algum tratamento eficaz ou vacina contra a doença?
Apesar de haver pesquisas em andamento, ainda não há tratamentos específicos de eficácia comprovada nem vacinas desenvolvidas contra a Covid-19. Todas as promessas de cura que têm sido compartilhadas nas redes sociais são infundadas.
A cloroquina e a hidroxicloroquina (usadas para tratar malária, artrite e lúpus), que têm sido promovida por Trump e Bolsonaro como possível cura para a Covid-19, são um dos principais focos de desinformação nas redes.
Uma série de publicações nas redes sociais afirma que as drogas têm eficácia comprovada contra a Covid-19, o que não procede. Na verdade, um número pequeno de estudos preliminares apontou efeitos positivos no uso dos medicamentos, e o tratamento com as drogas foi liberado para casos graves em alguns países, como os EUA e o Brasil, mas não há comprovação científica e seu uso não é recomendado por autoridades médicas. Um estudo recente feito na China com 30 pacientes, por exemplo, sugeriu que o remédio não é mais eficiente do que outros tratamentos.
Outros tratamentos mencionados em redes sociais – auto-hemoterapia (extrair e reinjetar um pouco do próprio sangue), fazer gargarejo com vinagre, ingerir vitamina C, tomar chá de erva-doce – são enganações e não curam a Covid-19 ou qualquer outra doença. Também não existem vacinas, nem criadas por Cuba, nem por Israel.
Corrida. Pesquisadores de todo o mundo estão buscando medicamentos para a doença. A OMS lançou neste mês um estudo para testar se quatro combinações de drogas já conhecidas podem ajudar no seu tratamento: a hidroxicloroquina, o remdesivir (criado para ser usado contra o ebola); ritonavir e lopinavir (usadas para o HIV); ritonavir e lopinavir com interferon-B (usado para tratar hepatite C, entre outras doenças).
O órgão também lista 47 vacinas em desenvolvimento, duas das quais começaram a ser testadas em humanos. Nada, porém, nem tratamentos nem vacinas, já tem eficácia comprovada.
3. O Brasil vai sofrer menos com a pandemia por ter clima quente?
Não se sabe. A ideia de que o calor pode diminuir a propagação da doença foi mencionada por Trump e repetida por Bolsonaro durante pronunciamento, mas ainda não há evidências conclusivas de que isso realmente aconteça. Mesmo que seja verdade, especialistas acreditam que o efeito do clima quente não é suficiente para conter a pandemia e insistem que políticas de isolamento social são necessárias.
É fato conhecido que, nos países de clima temperado, o número de infecções por influenza, família de vírus da gripe, atinge seu ponto mais alto no inverno. Isso ocorre porque o vírus se adapta melhor a ambientes frios e de pouca umidade, mas também por fatores comportamentais: no inverno desses países, as pessoas ficam mais tempo em ambientes fechados, por exemplo, como explica em artigo o professor de epidemiologia de Harvard Marc Lipsitch. Segundo um estudo britânico, quatro outros tipos de coronavírus que afetam humanos parecem ter um comportamento similar.
Não é absurdo pensar que o mesmo poderia acontecer com o Sars-Cov-2, mas as evidências ainda são escassas. Um estudo preliminar de Harvard e outro do MIT com dados de casos na China apontaram que a temperatura mais alta pode ter um efeito pequeno na desaceleração da transmissão do vírus. Entretanto, ambos apontam que essa diferença, se confirmada, seria insuficiente para parar a propagação da Covid-19 e recomendam a continuidade de políticas públicas de distanciamento social.
4. Só idosos são afetados pela doença?
Não. Idosos e pessoas com doenças crônicas são os grupos que correm mais risco de morte pela Covid-19, mas não os únicos afetados.
Um estudo da Imperial College London com dados da China estimou que cerca de 1% das pessoas de 20 a 29 anos que contraem a doença precisam ser hospitalizadas e esse número aumenta progressivamente quanto maior a faixa etária, chegando a 18% no caso daqueles com mais de 80 anos. O gráfico abaixo resume as estimativas dos pesquisadores:
Embora a taxa de hospitalização da população jovem seja mais baixa, o número absoluto dessas internações pode ser significativo e contribuir para a superlotação do sistema de saúde. Nos EUA, a CDC mostrou que 20% dos casos graves da doença atingem pessoas de 20 a 44 anos. No Brasil, uma apresentação do Ministério da Saúde mostra que uma proporção grande dos casos graves é de pessoas com menos de 60 anos:
Nas redes sociais, têm circulado peças de desinformação que enganam ao dizer que países como Israel conseguiram controlar a Covid-19 isolando apenas os idosos. Na verdade, o país implementou restrições de movimento a pessoas de todas as idades.
O Reino Unido chegou a cogitar usar essa estratégia de isolar apenas grupos de risco, mas voltou atrás depois que um estudo da Imperial College London estimou que até 250 mil pessoas poderiam morrer se o plano fosse levado adiante.
5. O vírus pode ter sido criado em laboratório pela China?
Também não. Ainda não se sabe qual a origem do vírus – a hipótese mais provável é que tenha sido transmitido a humanos por animais –, mas uma análise genética publicada na revista Nature feita por cientistas americanos, britânicos e australianos descartou que o Sars-Cov-2 tenha sido criado em laboratório.
Uma série de teorias da conspiração que culpam a China pelo surgimento do Sars-Cov-2 tem sido compartilhada desde que o vírus apareceu, no fim do ano passado, mas nenhuma é verdadeira. Uma peça de desinformação, por exemplo, adultera o cartaz de um filme sul-coreano para sugerir que os chineses já conheciam o novo coronavírus em 2013.
Por trás da suposta criação do vírus, discorrem essas teorias conspiratórias, estariam interesses políticos da China. Uma publicação enganosa, por exemplo, distorce dados para sugerir que o país se beneficiou economicamente da pandemia, o que não é verdade. Desde que o surto do novo coronavírus começou, tanto as bolsas de valores quanto a atividade industrial e comercial da China despencaram.
Outra publicação adulterou um discurso de 2017 do presidente do país, Xi Jinping, para dizer que o país estaria se preparando para liderar o resto do mundo diante da pandemia.
Mais recentemente, também circularam vídeos descontextualizados de pessoas cuspindo em supermercados, bancos e elevadores para sugerir que cidadãos chineses estariam tentando espalhar o novo coronavírus e começando uma “guerra biológica”.
6. Que ajuda o governo vai dar à população mais pobre?
O Senado aprovou na segunda-feira (30) um auxílio mensal de R$ 600 que será pago por três meses para trabalhadores informais e de R$1.200 para mulheres que são sozinhas responsáveis pela renda da família. O texto foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro na quarta-feira (1º).
A IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado estima que cerca de 30 milhões de pessoas serão beneficiadas e que o programa custará R$ 59,8 bilhões.
Quem poderá sacar. Segundo o texto aprovado, terão direito ao benefício trabalhadores informais (sem carteira assinada) maiores de 18 anos com renda familiar mensal per capita de até R$ 522,50 ou com renda familiar total de até R$ 3.135. Só é elegível quem recebeu rendimentos tributáveis de menos que que R$ 28.559,70 em 2018.
A verificação de renda será feita pelo Cadastro Único, banco de dados do governo federal com informações sobre famílias em situação de pobreza. Para quem não for inscrito, será possível fazer uma autodeclaração.
Os pagamentos serão feitos por instituições financeiras federais (como Banco do Brasil e Caixa Econômica), mas os detalhes sobre como e quando os saques acontecerão só serão conhecidos quando a lei for publicada no Diário Oficial e regulamentada por um decreto do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Portanto, são falsas – e, em alguns casos, golpes – as mensagens que afirmam que o governo liberou saques para beneficiários do Bolsa Família ou que iniciou um cadastro para o recebimento do auxílio.
7. Posso ser multado ou preso por andar na rua?
Não. A maioria dos estados brasileiros instituiu alguma medida para tentar diminuir o contato entre as pessoas, mas não há notícia de proibição total da circulação em nenhuma cidade.
Embora o Ministério da Saúde e autoridades de todo o mundo recomendem o distanciamento social, não é verdade, por exemplo, que o governo federal instituiu uma multa para quem estiver na rua sem justificativa. Também é falso que será suspensa a aposentadoria de idosos que não ficarem em casa.
Mas há sim possibilidade de multa de até de prisão para quem descumprir as regras que foram estabelecidas pelas autoridades sanitárias, de acordo com portaria publicada pelo governo em 17 de março.
Até agora, as medidas mais comuns adotadas pelos governadores brasileiros foi a proibição de aglomerações, a suspensão das aulas e o fechamento do comércio não essencial e de shoppings, como mostra levantamento da Folha de S.Paulo. Quase todos também determinaram restrições parciais da máquina pública, de atividades de lazer (como jogos de futebol) e dos serviços de transportes.
O secretário de Saúde do estado de São Paulo, José Henrique Germann, citou a possibilidade de implementar um isolamento obrigatório no futuro – como adotado em vários países europeus – mas recuou.
Referências:
1. MedRxiv 1, 2 e 3
2. CDC 1 e 2
3. Wiley
4. Aos Fatos
5. Anvisa
6. Folha 1, 2 e 3
7. OMS 1 e 2
8. Harvard University
9. Journal of Clinical Microbiology
10. SSRN
11. The Lancet
12. Ministério da Saúde
13. BBC
14. Imperial College London
15. Nature
16. Governo federal
17. Senado 1 e 2
18. Diário Oficial da União
19. Valor Econômico