Artigo: Tempos estranhos
Por Éden A. Santos*
Inicio o presente artigo recorrendo a Victor Hugo, o gigante da literatura francesa e mundial. Em sua obra sob o título de “Napoleão, o Pequeno”, um dos protagonistas afirma para seu interlocutor que o “Perigo não é o precipício; perigo é a ladeira”. Sem dúvida uma afirmação de difícil contestação porque diante do precipício é possível a qualquer um estancar e recuar, todavia a descida de uma ladeira é, pela força da gravidade, um intento que pode não depender apenas do esforço ou propósito do homem.
Dito isso, parece-me razoável afirmar que o Brasil, na sua trajetória histórica, já esteve várias vezes diante de precipícios, conseguindo sempre dar meia volta e retroceder. O momento que o país está vivendo, contudo, engloba vários atores e fatos que embaralham o ambiente. Daí, pode-se concluir que não se enxerga no horizonte próximo força que possa freá-lo, sobretudo porque há inúmeros protagonistas criando um ambiente de alta complexidade. O país está enfrentando uma pandemia, não a combatendo conforme os especialistas preconizam ser desejável e necessário.
O governo federal não tem respondido com as ações que dele se espera e que o bom senso recomenda, a vários procedimentos essenciais para conter esse flagelo. E por quê? É a pergunta que não quer calar. Muito estranho! O aumento exponencial de ocorrências e óbitos está levando governadores e prefeitos desesperados a procurar soluções inacessíveis. O ambiente é extremamente assustador.
Aí, de repente, no cenário político, por força de um Judiciário que se apresenta muitas vezes de forma caótica, surge a figura do ex-presidente Lula, que muitos já consideravam estar com a carreira encerrada. Estranho, muito estranho esse nosso Judiciário! Se Lula vai ou não se candidatar em 2022 é uma incógnita que mexe profundamente no xadrez político das as próximas eleições.
Esse lance joga ladeira abaixo a expectativa de que Bolsonaro disputaria as eleições presidenciais com candidatos que ainda não emergiram claramente. Doria (que já pensa em desistir), Eduardo Leite, Huck e Ciro, perderam a oportunidade de, há alguns meses atrás, lançar suas candidaturas. Nesse momento, materializando-se a polarização entre Lula e Bolsonaro, suas aspirações estarão sensivelmente reduzidas.
Enquanto isso, o Legislativo, ignorando a pandemia e o caos instaurados, discute projetos de autoproteção, tendo em vista a recente prisão do deputado Daniel Silveira. Quando se pensava que Câmara e Senado, em razão da renovação importante nos seus quadros trazida pelas últimas eleições, fossem finalmente atender aos anseios da população, eis que se tornam figuras ainda piores que as de seus antecessores. Tempos também muito estranhos.
Agora, de repente, não mais que de repente, Bolsonaro e Eduardo, seu filho, adotam o mote: “Nossa arma é vacina”. Mas… só agora? Estranho, não? Voltemos ao Judiciário. Temos onze ministros que, cada um com seu feudo, usando e abusando das firulas jurídicas, embromam a nação. O STF baseado em informações obtidas por hackers está em vias de considerar a atuação do ex-juiz Sérgio Moro suspeita de parcialidade em alguns dos julgamentos e condenações do ex-presidente Lula da Silva. O que, certamente aconteceu.
Ora, o ministro Gilmar Mendes em ato recente, referindo-se a Moro, afirmou que não se pode condenar um réu por um crime cometendo outro crime. Leitor amigo, isso é muito estranho. Dois pesos e duas medidas? O Supremo pode tudo? Estranhíssimo! Concluindo, lembro-me de uma emblemática afirmação do Primeiro Ministro da Grã-Bretanha durante a segunda guerra mundial, Winston Churchill: “Estadista pensa na próxima geração; político, na próxima eleição”. Não é necessário dizer mais nada. Enquanto isso, a sétima economia do planeta há alguns anos atrás é hoje a 12ª. Nesse clima totalmente estranho de ladeira abaixo, não vejo nenhum estadista.
* É escritor e morador de Itu.