Artigo: São nossos irmãos?
Por José Renato Nalini*
Uma nação que se considera democrática, tão corajosa a ponto de converter a fraternidade em categoria jurídica, pode conviver com o que se continua a fazer contra os índios?
Eles estavam aqui há milênios, quando os brancos chegaram. Qual a legitimidade do “civilizado” para desconsiderar essa pacífica ocupação, que manteve incólume a exuberante cobertura vegetal deste país-continente?
Depois das doenças transmitidas a uma população que não tinha imunidade, houve a caça ao índio para se transformar em escravo. Nações inteiras desapareceram. A Constituição reconhece ao índio o direito à sua terra. Formalmente, é claro. Na prática, o interesse econômico torna inviável essa proteção.
Um documento de 281 páginas elaborado pelo Cimi-Conselho Indigenista Missionário, órgão vinculado à CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, é aterrador. Mostra que a crueldade hoje registrada e noticiada contra os indígenas é mais intensa do que o mais grotesco e brutal episódio da colonização. Para Lúcia Helena Rangel, antropóloga do Cimi, “esses tópicos de violência parecem narrativas de roteiros de séries e filmes de horror, ou relembram os registros históricos dos períodos em que os indígenas eram caçados por bugreiros e escravagistas”.
Somente em 2021, fontes públicas divulgadas no Brasil e no exterior deram conta de 176 assassinatos de indígenas, seis a menos do que em 2020, ano do recorde, desde o início da análise, iniciada em 2014. O número de suicídios foi de 148, o maior já registrado. Há 355 casos de violência contra pessoas indígenas em 2021, aumento de 17% em relação a 2020. O maior número já apurado desde 2013. E ainda é notória a subnotificação, pois nem todas as vítimas têm acesso às fontes aptas a receberem as denúncias. O número, seguramente, é muito superior ao divulgado.
Jovens e crianças indígenas são assassinados com extrema crueldade e brutalidade. Lembre-se de que em 2021 o assassinato de Raíssa Cabreira Guarani Kaiowá, de onze anos, e Daiane Criá Sales, de catorze, ambas do povo Kaigang, chocaram os que ainda se comovem com esse verdadeiro genocídio. As duas meninas foram estupradas antes de serem mortas.
Será que temos noção de que os índios são nossos irmãos?
*É Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022.