Um ituano que por pouco não jogou um Mundial…

A cidade de Itu orgulha-se de ter revelado para o mundo do futebol Juninho Paulista que, após tornar-se profissional pelo Ituano, passou por diversos clubes de destaque, sendo pentacampeão mundial com a Seleção Brasileira. Mais tarde, o Ituano contou em seu elenco com um também pentacampeão mundial, Roque Junior, que faturou a Copa em 2002 e jogou pelo Galo em 2010, vindo a treinar a equipe posteriormente.
Agora em 2022, o torcedor de Itu vibrou com a convocação de Gabriel Martinelli para defender o Brasil no Mundial. Atualmente no Arsenal (ING), o atacante, que foi revelado pelo Ituano, pode entrar no dia 18 de dezembro para o seleto grupo de campeões mundiais a ter passado pelo Galo.
Por pouco Itu não teve sua relação com a Copa do Mundo iniciada bem antes de tudo isso, por meio de Athiê Jorge Coury. Nascido na cidade de Itu em um imóvel situado na Rua Floriano Peixoto, no dia 1º de agosto de 1904, ele cursou o primário e o secundário em sua terra natal, no Colégio São Luís, indo morar posteriormente em Piracicaba, cursando até o 2º ano de Agrimensura. Mais tarde, estudou e defendeu esportivamente o Esporte Clube Sírio, atuando como goleiro na equipe de futebol.
Após formar-se em Economia pelo Colégio Mackenzie, em 1927, e mudou-se para Santos, tornando-se sócio de uma corretora de café e ao mesmo tempo começou sua trajetória no Santos Futebol Clube, como goleiro. Pelo Peixe, Athiê atuou em 171 partidas, entre 1927 e 1934, não conquistando títulos oficiais como atleta. Porém, suas atuações pelo clube lhe renderam convocações para a Seleção Brasileira de Futebol.
O ituano poderia ter disputado a primeira edição da Copa do Mundo, em 1930, não fossem as divergências entre dirigentes paulistas e a então CBD (Confederação Brasileira de Desportos). Com isso, nenhum atleta que atuava no futebol paulista foi convocado.
Dirigente

Se os títulos não vieram como jogador, Athiê tratou de entrar para a história do Santos como dirigente. Ele presidiu o clube de 1945 a 1971. Com 26 anos de presidência, é até hoje o mais longevo da história do alvinegro praiano. Além disso, é o presidente com mais títulos conquistados na história do clube: 28 taças oficiais.
Comandando o clube na chamada “Era Pelé”, ele foi campeão Mundial Interclubes (1962 e 1963), campeão da Copa Libertadores (1962 e 1963), campeão brasileiro (1961, 1962, 1963, 1964, 1965 e 1968), campeão da Recopa dos Campeões Intercontinentais (1968), campeão da Supercopa Sul-Americana dos Campeões Intercontinentais (1968), campeão do Torneio Rio-São Paulo (1959, 1963, 1964 e1966 ), campeão da Taça dos Campeões Estaduais Rio-São Paulo (1956) e campeão paulista (1955, 1956, 1958, 1960, 1961, 1962, 1964, 1965, 1967, 1968 e 1969).

Política
Athiê ainda foi eleito vereador em Santos, no ano de 1948, e posteriormente tornou-se deputado estadual pelo Partido Social Progressista, permanecendo no cargo de 1950 a 1982, retirando-se da vida pública. O dirigente faleceu na cidade de Santos, no dia 1º de dezembro de 1992, aos 88 anos, Apesar de uma trajetória longeva e vitoriosa, Athiê é pouco lembrando no município em que nasceu.
Torcedor do Santos e amante da história, o artista plástico ituano Luciano Luz fala ao Periscópio sobre a luta pelo reconhecimento do ilustre conterrâneo.“Essa importância [do Athiê] passa para todo o mundo, tanto para nossa cidade, quanto para Santos e outros lugares, como a Seleção Brasileira e o futebol mundial, pois sai do Santos o Pelé, pessoa que ele descobre numa passagem por Bauru”, explica.
“O Pelé joga por 18 anos no Santos, muito tempo, e ali tinha uma máquina de jogar que era a base das primeiras seleções. Ele tem uma importância incrível para o futebol e não só nasce em Itu, mas estudou aqui na cidade, era eleitor aqui de Itu. Ele tem uma importância para o futebol mundial. Não fosse o Athiê, o Brasil não teria sido campeão mundial [1958, 1962 e 1970] e nem teria levado o conhecimento do Pelé e do time todo do Santos para fora do país”, acrescenta Luciano.
Homenagens

Na cidade de Santos, Athiê foi homenageado dando nome a escola, rua e um condomínio. Na Vila Belmiro, há uma estátua em sua homenagem. Na região sul do Brasil, ele batiza um time de futebol, porém, em sua terra natal uma única homenagem ocorreu por iniciativa de Luciano Luz.
“Essa falha com a cultura, com a memória, do brasileiro é visto em todos os departamentos. Em Itu,Almeida Júnior não é tão reconhecido e é o patrono das artes plásticas, por exemplo. Muitas pessoas importantes não são reconhecidas”, explica Luz, que, ao ser questionado sobre o que pode ter levado a falta de reconhecimento, opina. “O Athiê, depois de Itu, vai morar em Piracicaba, depois vai para São Paulo onde se torna comerciante do café e depois se torna goleiro do Santos, deputado. Talvez essa andança dele tenha feito o povo ituano esquecer dele. É importante falar sobre ele para que não se perca a memória”.
Em 2011, após o Santos conquistar o tricampeonato da Copa Libertadores da América, Luciano Luz foi atrás de um reconhecimento para Athiê. O processo levou quatro anos. “Eu levantei todos os documentos possíveis, passei na Câmara de Vereadores e depois consegui falar com o prefeito da época [Antonio Tuize] e eu consegui provar tudo isso a respeito do Athiê. Na verdade eu gostaria que tivesse sido feita uma praça, algo maior em relação a ele, principalmente nos arredores do Novelli Júnior, onde tem esporte, futebol. Ele deveria até ter uma estátua”, diz o artista plástico.
“Mas foi feito o que era possível na parte política e foi conquistada uma rua que fica no bairro Jardim Santa Rosa. São as falhas sobre a história, sobre o passado. Fiz uma pesquisa de campo, de laboratório, me informei bastante sobre o assunto, na Biblioteca Municipal, no museu, para provar tudo isso”, orgulha-se Luciano.
Recordações

O JP conversou também com o ex-prefeito de Itu, Lázaro José Piunti, que fala sobre um contato que teve com Athiê em 1970, período em que o ituano acumulava as funções de presidente do Santos e de deputado federal, e Piunti, atuava como vereador.
“Tive um contato pessoal com ele e pedi pra ele se poderia trazer a equipe do Santos para jogar aqui em Itu. Vieram vários jogadores do time titular, mas não o time completo. O placar foi 3×0 para o Santos e foi sorteada uma camisa do Pelé, e quem ganhou a camisa foi Jair Bochini. Foi entrada franca e estádio estava lotado”, recorda Piunti.
A partida foi realizada no Estádio Municipal, que ainda não havia sido denominado “Dr. Novelli Júnior”, o que ocorreria apenas em 1976, no primeiro dos quatro mandatos de Piunti como prefeito.

A reportagem também conversou com o engenheiro civil Mauro Sergio Zakia Jabur Arruda, de 68 anos. Ituano de nascimento, Mauro fala um pouco sobre Athiê, seu primo. “A lembrança que tenho do Athiê é que minha tia Asshma tinha no quintal uma enorme jabuticabeira e, quando ele estava para vir, ela sempre separava um saco de jabuticabas para ele levar, porque ele gostava muito. Eu sempre conheci o Athiê como presidente do Santos, embora a família falasse que ele tinha sido um ótimo goleiro”, prossegue Mauro.
Para o engenheiro civil, seu primo foi “o melhor presidente de um clube grande naquela época, porque se trabalhava com pouco dinheiro, apenas receitas das bilheterias dos jogos e, embora o futebol sempre tenha sido a paixão dos brasileiros, os salários eram muito menores e os jogadores resistiam em mudar de clubes, porque passavam a amar a camisa do time em que jogavam”. “Com muita dificuldade, o Santos montou na época do Athiê o melhor time do mundo, bicampeão da Libertadores e bicampeão mundial”, conclui Mauro.

