Os 60 anos do Golpe Militar: a Itu de 1964
Neste domingo (31), o Golpe Militar que depôs o então presidente João Goulart completa 60 anos. A ação dos militares pôs fim à Quarta República e iniciou a ditadura militar brasileira, que seguiu até a redemocratização, em 1985. Durante o período ditatorial, estima-se que houve 434 mortos e desaparecidos políticos, além de um genocídio de povos nativos que matou mais de 8,3 mil indígenas por negligência e por ações específicas visando ao massacre indígena.
E como era a cidade de Itu em meio ao golpe? O historiador Luís Roberto de Francisco, que estudou parte daquele período, relata que houve uma manifestação importante em Itu que foi a Marcha da Família, com Deus pela Liberdade, organizada pela Igreja Católica junto com o Exército. No ato, a população saiu em procissão da Igreja do Carmo até o Quartel, carregando faixas exaltando a “vitória contra o comunismo”.
Na época, todos os governos progressistas eram taxados de “governos comunistas”. O historiador também frisa que a extrema-direita daquele tempo não é a mesma de hoje. O Padre Roberto Godding, que esteve à frente da marcha em Itu, foi uma liderança importante na campanha “contra o comunismo”. “Essa era a toada. As lideranças católicas organizadas contra o comunismo”, aponta Luís Roberto, recordando outras lideranças da direita.
“Aqui em Itu havia algumas pessoas que eram muito ligadas com à extrema-direita, por exemplo a Maria Cecília Bispo Brunetti, irmã do professor João Bispo. Eu fui muito próximo dela. A Cecília era uma pessoa interessantíssima, inteligentíssima, mas era uma figura educada para ser uma liderança da direita. Ela foi formada para isso na década de 1930, e ela manteve isso a vida toda”, relata.
O historiador também relembra a prisão do advogado Dr. Ermelindo Maffei, que defendia o sindicalismo, foi membro do Partido Comunista Brasileiro e apoiava o movimento popular. “Maffei foi preso e ficou em São Paulo. O Tribunal Militar julgou o caso dele. Ele foi defendido por um advogado de Salto chamado Mario Dotta, que era muito amigo dele, e esse caso foi publicado num pequeno livro chamado ‘A defesa de um advogado’, que a Acadil republicou”, conta Luís Roberto. Maffei faleceu em 1993.
Política
A política de Itu foi bastante alterada com o golpe, com o fim das eleições diretas. Segundo a Galeria de Prefeitos de Itu, o presidente militar Artur da Costa e Silva baixou o decreto nº 64.607, de 29 de maio de 1968, decretando intervenção federal no município de Itu. O mesmo decreto nomeou o general Agostinho Teixeira Côrtes interventor federal em Itu.
Galileu Bicudo tinha disputado e vencido as eleições para prefeito em 1968. Na véspera da sua posse, em 31 de janeiro de 1969, ele foi detido pelos militares. Logo em seguida, teve o mandato cassado e os direitos políticos suspensos. Por esse motivo, na ausência do prefeito eleito e da renúncia do seu vice, no dia 1º de fevereiro de 1969 o prefeito João Machado de Medeiros Fonseca transmitiu o cargo ao presidente da Câmara, Mário Macedo Júnior.
Quatro meses depois, em 6 de junho, Macedo entregou o cargo ao interventor federal. No final do mesmo ano, o general Agostinho Côrtes foi substituído na interventoria local pelo general João Paulo da Rocha Fragoso.
O próprio Regime Militar absolveu Galileu Bicudo, declarando que ele não incorrera na prática de qualquer delito. Em 2021, a Câmara de Vereadores aprovou por unanimidade o projeto proposto pela vereadora Maria do Carmo Piunti (PSC), que “Reconhece a Memória de Galileu Bicudo à Condição Honorífica de Prefeito Municipal de Itu – 1969/1972”. Hoje, Galileu dá nome a uma das principais avenidas da cidade.
Itu também teve outros prefeitos eleitos durante a ditadura, como Caetano Ruggieri, Olavo Volpato (por dois mandatos) e Lázaro Piunti. Piunti, que foi prefeito de Itu por quatro mandatos não consecutivos, recorda que tinha 17 anos em 1964 e acompanhava as informações pelo rádio. Ele trabalhava durante o dia e cursava o colegial à noite. O ex-prefeito recorda que o então prefeito de Itu durante o golpe, João Machado, era muito alinhado aos militares e chegou a sequestrar veículos para auxiliar o Exército.
“O próprio João Machado, já falecido, me contou em 1969, quando eu fui vereador, que tinha cinco mil contos de réis na burra, isto é, nos cofres da Prefeitura, e ele já deixou reservado à disposição do Exército de Itu”, recorda Piunti, que relembra também um desfile militar realizado na Avenida Marginal após o golpe. Estudantes foram dispensados das aulas para conferir o ato.
Piunti ainda se recorda de prisões realizadas em Itu durante a ditadura, inclusive de amigos seus. Também recorda com destaque a prisão de Ermelindo Maffei, a quem o ex-prefeito define como um “idealista contra qualquer violência”. Por fim, Lázaro Piunti se lembra de um fato curioso: em uma loja próxima à Igreja Matriz, ficaram expostos materiais considerados subversivos apreendidos com os presos, como livros sobre Josef Stalin (ex-primeiro-ministro da União Soviética) e Lenin (revolucionário comunista). “São lembranças que eu tenho de uma época sombria, porque os desdobramentos foram muito desagradáveis, trágicos”. O rico relato de Piunti, em áudio, pode ser conferido abaixo:
Ódio, ódio e nojo da ditadura militar burguesa. Lembrar para nunca mais retornar esse período nefasto da história do Brasil.