Saúde em Foco: O médico doente
Por Dr. Eneas Rocco*
Quando li o livro de Dráuzio Varella com esse título, senti um grande frio na espinha. Tratava-se de uma enorme ameaça à vida do doutor Dráuzio, em sua desventurada passagem pela Amazônia sem vacinação contra a malária.
Outra experiência de convívio com a peste, aparece no livro “O amor nos tempos do cólera”. Aqui, embora a história de Garcia Marques, busque mostrar as dificuldades de Florentino Ariza em encontrar com o amor de sua vida, também sentimos o desalento dos personagens que convivem naquele ambiente doentio.
Em comum com essas situações, convivemos hoje com uma assustadora avalanche de casos de dengue pelos quatro cantos de nossas cidades, com um número de mortes alarmante.
Hoje, escrevo estas linhas, dezessete dias após o início de um quadro de dengue, absolutamente avassalador; foram episódios de febre, dores intermináveis no corpo e uma imensa prostração que me parece ainda estar longe de terminar.
Minha esposa simultaneamente apresentou a doença, com outros agravamentos que motivaram sua internação hospitalar por cinco dias.
Não é segredo para ninguém, o tipo de cuidado que se deve ter em casa em relação à procriação das larvas dos mosquitos transmissores de doenças como dengue, zika e chikungunya. Ainda assim, as campanhas públicas deveriam ser diárias e maciças, para que em nenhum momento, nos distraíssemos das medidas simples de prevenção caseira que estão ao nosso alcance.
Nosso país é pobre, o dinheiro é pouco, mas quando existe uma tragédia anunciada, é preciso ser mais eficiente na prevenção e no combate. Onde estão os agentes de saúde, para nos ajudar na fiscalização de criadouros? Onde está a educação contínua através de anúncios publicitários que chamem repetidamente a população para se integrar na luta contra a dengue? Nem mesmo os “carros de fumacê”, uma medida adicional que esteja a demonstrar algum esforço público, temos mais visto nas ruas.
Consta que no final do século passado, o Dr Adib Jatene, então ministro da saúde, demitiu-se ante a impossibilidade de conduzir medidas de erradicação da dengue, que já dava sinais de que se tornaria a doença grave e incontrolável em que se transformou. Para o quê mais, serve o recurso público, quando se trata da saúde da população? Isso faz quase trinta anos, e nós nem saberíamos a não ser pelos livros, que um médico, verdadeiramente ministro da saúde, tinha nos ajudado a não sofrer tanto décadas após.
Mas, infelizmente, o papel da autoridade pública tem sido de aparecer somente quando a porta já está arrombada. E ainda assim para dizer mais do mesmo!
Estamos desassistidos!! Precisamos com urgência que as páginas de nossa história sejam reescritas. Não é mais possível conviver com tragédias irreparáveis como as inundações e as epidemias causadas por mosquito. Para não dizer da tragédia diária da falta de escolaridade, das inúmeras pessoas em condição de rua, da insegurança pública e tudo mais que se passa do nosso lado e já se tornou uma triste rotina em nossas existências.
Há técnicos muito preparados em nosso meio – ainda não desistiram e permanecem por aqui – capazes de apresentar soluções que precisam ser implementadas. Basta que os recursos sejam utilizados de modo honesto. Onde estão o prefeito, o governador, os legisladores que vão levantar a bandeira da transparência?
Estamos contando só com nós mesmos e salva-se quem pode. A ideia de sociedade é cada vez mais frágil e está se desmantelando. Bom fim de semana a todos!
*Dr. Eneas Rocco (CREMESP 25643) é formado pela Faculdade de Medicina da PUC-SP – Campus Sorocaba, com especialização pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e Hospital Matarazzo de São Paulo.
Muito bom. Esclarecedor. Também muito preocupante
Dr Eneas, a verdade é que estamos sim sozinhos nessa luta contra as adversidades que a natureza nos apresenta. Não há que culpar a natureza, ela se defende, e como bem dito estamos sozinhos; porém, como o povo do RS acredita, o Brasil é grande e há de encontrar seu lugar no mundo!
Infelizmente o Brasil , mais uma vez , confirma ser uma república das bananas, onde a prevenção , que não dá votos, é jogada no lixo, onde a corrupção desenfreada não se importa em matar os cidadãos que pagam caríssimos impostos, onde a imprensa vendida, se esconde e se nega a mostrar a verdade .
O Brasil é um país triste , o eterno país do futuro que nunca terá um futuro, muito triste.
Texto excelente
Demonstra bem a dificuldade da população em ter ajuda / socorro adequado
Importante as autoridades se movimentarem para acelerar a vacina