Espaço Acadil | Lembranças do “Lar do Menino”
Entre meus nove e dez anos, quando ainda estudava na Escola Estadual “Convenção de Itu”, minha mãe conheceu um projeto social da Igreja do Patrocínio, chamado “Lar do Menino” (hoje Centro Promocional Madre Teodora), inscreveu-me nele e eu frequentava no contraturno da escola. Ou seja, a escola pela manhã e, na parte da tarde, ia direto para a Igreja do Patrocínio.
Assim, todos os dias, durante os anos de 1995 e 1996, eu chegava lá por volta das 13h, almoçava e ajudava na limpeza do refeitório. Nós tínhamos escalas semanais para manter tudo em ordem, refeitório, salas de aula, quadra etc. Todos os dias, depois da aula, ali era meu lugar. Tínhamos pouco contato com as freiras, porque havia monitoras responsáveis pelas atividades, mas de uma delas eu lembro com muito carinho, a Irmã Ida; lembro-me de sua fala diferente, seu sorriso doce e o crucifixo pendurado ao pescoço.
Algumas tardes, ela deixava o prédio das freiras e descia até o espaço dedicado às crianças. O “Lar do Menino” era em frente ao cemitério, mas nós não tínhamos permissão para ir até lá sozinhos. Ali, na estrutura dedicada a nós, ela se sentava nos bancos de madeira e ensinava palavras e pequenas frases em francês para quem tivesse interesse. Eu adorava uma música infantil que ela cantava, em português conhecida como “Meu Burro”. Vi a Irmã Ida muitas vezes e sempre que ela descia, eu corria sentar-me com ela. Com o tempo, ela diminuiu suas visitas e começamos a sentir a sua falta. Três vezes na semana viraram duas, que virou uma e, depois, nenhuma!
Sentindo falta da Irmã Ida, um dia escapei para a secretaria da igreja, para perguntar dela e fui informada que ela estava muito doente e acamada. Eu queria vê-la, mas não tinha permissão e, claro que aos dez anos de idade, acatei a ordem. Mas, todas as tardes, esperava que a Irmã Ida aparecesse em nosso espaço com seu sorriso e sua fala francesa diferente. Infelizmente, não foi o que aconteceu. Semanas depois soubemos que ela tinha falecido.
Ela foi enterrada no cemitério do antigo Colégio do Patrocínio e, mesmo sem ter permissão, eu escapava frequentemente para visitar o seu túmulo, escondida, no meio da tarde, só para levar uma flor ou para “falar oi”. Coisas de criança que sentia falta da companhia da freira.
A última vez que estive no antigo “Lar do Menino” foi a trabalho, para realizar uma reportagem, e pedi com carinho se poderia visitar o cemitério. Para a minha sorte, a diretora do Centro Promocional Madre Teodora, hoje, era monitora quando eu era criança e sempre me trata com o maior carinho; levou-me até o túmulo.
Vinte anos depois, eu estava andando pelo cemitério do Patrocínio sem localizar a sepultura da Irmã Ida, mas uma paz me tomou quando eu estava ali. Ela se foi há décadas mas, naquele momento, tive certeza que o carinho e a atenção dela continuavam presentes entremuros daquele lugar e para mim, isso foi o bastante!
Gisele de Moura Scaravelli
Cadeira Nº 06 I Patrono Joaquim Leme de Oliveira Cesar