Salão de Barbeiro

J.C. Arruda

Semanalmente, havia um programa na TV Convenção, chamado Salão Central, que retratava um salão de barbeiro nos moldes antigos, no qual os “fregueses” ficam comentando sempre com bom humor os acontecimentos em Itu e no mundo. Para quem não sabe, tratava-se de uma sátira que não foge muito a realidade das barbearias. Jornalistas, radialistas, políticos etc, em outros tempos, tinham como principais fontes de informação os motoristas de táxi e os barbeiros. Quando ainda não se falava em pesquisas eleitorais, os políticos chegavam a antecipar resultados das eleições ouvindo os choferes de praça e os barbeiros. Mas, os fatos curiosos mesmo se repercutiam nas barbearias e estas chegavam também a serem palco de cenas curiosas.

Quando tinha sua barbearia na Rua Santa Rita, no cruzamento da Travessa do Carmo, o ex-vereador Lico Assungeni (o Lico do SAAE) estava cortando o cabelo de um freguês, quando chegou um cidadão, pediu licença para testar uma navalha que estava na prateleira do espelho. Lico, gentilmente, pegou a navalha, entregou ao homem e continuou atendendo ao freguês na cadeira. De repente, Lico ouviu um baque atrás de si e quase teve um troço quando viu o homem da navalha se contorcendo no chão se esvaindo em sangue. Tinha cortado a própria garganta. Foi um bruta susto, o maior sufoco. Ajudado pelo freguês, Lico conseguiu parar um carro que passava, o qual conduziu o suicida para a Santa Casa, onde foi socorrido e, acreditem, NÃO MORREU! Até hoje, o ex-vereador conta o caso.

Outro episódio aconteceu com o velho barbeiro Felisberto que tinha o salão na mesma Rua Santa Rita, só que vizinho da igreja da Santa. Deixa explicar uma coisa antes: havia um garçom em Itu, conhecido por Julinho, cujo rosto era, impressionantemente, tomado de espinhas. Tinha tantas espinhas na cara que chegavam a deformar-lhe a feição. Certo dia, condoído com a sina do Julinho, o velho Felisberto, enquanto era por ele atendido no saudoso Bar Papai da Praça da Matriz, se ofereceu: – “Olha Julinho, se você quiser fazer um teste, passe na barbearia um dia destes e eu lhe faço de graça uma barba caprichada. Garanto que seu rosto vai ficar lisinho como bunda de criança. Basta que você vá, após as 6 horas da tarde, quando encerro o expediente”

Os dias foram passando até que na Semana Santa, numa Quinta-feira, o garçom resolveu aceitar a oferta. Chegou as 18 horas em ponto e o Felisberto o recebeu, fechou a porta da barbearia, deixou só a janela aberta e passou a fazer a barba memorável. No começo até que foi bem, mas aos poucos o sangue começou a jorrar e principiou a assustar o barbeiro. Felisberto achou melhor virar a cadeira de costas para o espelho, receoso que o freguês se apavorasse. Após um bom tempo passando água e espuma no rosto de Julinho, sem que o sangramento cedesse, o barbeiro pegou uma toalha de rosto branca e enxugou com ela a face do freguês, estendendo em seguida o tecido, por sobre a janela para que a brisa o secasse.

Quando conseguiu, miraculosamente, disfarçar o rosto de Julinho com algum creme e pó-de-arroz, começou a ouvir um alvoroço em forma de cânticos vindos da rua. Abriu a porta e viu uma aglomeração de velhinhas perto da janela, admirando a toalha com a imagem do garçom estampada em sangue, todas cantando “queremos Deus que é nosso Pai”. Algumas delas, chegavam a passar os dedos na toalha para, em seguida fazer o sinal da cruz. As irmãs Zulmira e Escolástica Pacheco, já estavam inclusive de joelhos em oração. Elas haviam saído da igreja de Santa Rita onde tinham participado da Via Sacra.

Assustado, o velho Felisberto recolheu rápido a toalha com a imagem de Julinho impressa em sangue e trancou a janela. Só abriu de novo quando teve certeza que as beatas tinham desistido da adoração e ido embora, permitindo que Julinho saisse retornando a sua residência com o rosto lisinho como bundinha de criança.

Passado uma semana, ele constatou que as espinhas haviam voltado… Todas!