Carrão valoroso!
J.C. Arruda
Um era o Zé Fartura, figura que se tornou lendária em Itu pela esperteza que sempre demonstrou como comerciante. Outro era o Zé Carlos Marretta, filho de um dentista ituano. O caso é o seguinte: logo no início dos anos 60, com a criação da primeira indústria automobilística no país, a Volkswagem, todo o Brasil entrou em nova fase de sonhos e expectativas. A cada dia que passava aumentava a ansiedade das famílias brasileiras em ter o seu próprio “Fusca”. Esse veículo passou a ser símbolo de “status”, como se dizia na época.
Foi bom para muitos, mas não para todos. Quem teve privilégio de conseguir uma concessionária da Volks ganhou muito dinheiro em razão da preferência nacional. Em compensação, as concessionárias de veículos importados, casos da GM e da Ford, passaram a enfrentar forte concorrência. As pessoas passaram a preferir o Fusca por vários motivos: por ser mais econômico no consumo; porque o custo das peças era mais em conta; porque o novo carro dispensava o uso de água no radiador, razão de muitos motores fundidos; enfim também por outras vantagens.
Tanto assim que, hoje em dia, quem prestar atenção nas casas construídas nas décadas de 60 e 70 vai notar que as garagens, quase todas, eram dimensionadas para acolher o sonho da família que deveria ser exibido: o Fusca. E, desse modo, os carrões importados foram cedendo espaço e desaparecendo, chegando aos dias atuais como propriedade apenas de colecionadores. É desse tempo que vem o episódio envolvendo o inesquecível Zé Fartura e o peralta do Zé Carlos Marretta.
Zé Fartura acabou com um verdadeiro “mico” nas mãos: um Pontiac Ano 40 que, quando lançado no mercado, havia sido o “top” de todos. Ele havia conseguido passar pra frente vários carros, mas o tal do “Pontiacão” não havia meio. O máximo que ofereciam em Itu era CR$ 10 mil e ele queria pelo menos CR$ 20 mil para não ficar no prejuízo. Foi nessa intenção que ele convidou o Zé Carlos Marretta para ir com ele até a Capital, onde sempre funcionaram as bocas de carros, dominadas pelos verdadeiros azes no ramo, malandros como só eles.
Chegando em São Paulo, Zé Fartura foi sozinho a várias bocas dos usados, se separando de Marretta, que foi para outros endereços. Finalmente, numa delas, ofereceram CR$ 10 mil pelo carrão. Zé Fartura fincou pé: queria pelo menos CR$ 30 mil. Não houve acordo. Então ele pediu ao gerente da boca para deixar o Pontiac por algumas horas estacionado no local, enquanto iria fazer uma consulta médica. Permissão concedida, ele foi para a rua. Passados menos de 30 minutos, entra na boca um senhor de terno e gravata, sapatos brilhando, de finos modos com elegante chapéu de feltro na cabeça.
Começou a ver os carros. Quando deu com o carrão, chamou o gerente: – “Qual o preço desse Pontiac?” – Perguntou. O gerente foi logo utilizando de suas habilidades: – “Meu amigo, este é um carro para pessoas de fino trato, pessoas que queiram, além do conforto e espaço, exibir o padrão de vida que possuem. Só tem um problema, ou seja, o dono está pedindo CR$ 35 mil por ele”.
Para espanto do vendedor, o cliente nem pestanejou: – “Eu conheço esse carro, sei das qualidades da marca Pontiac e da raridade que ele representa. Vou lhe deixar CR$ 5 mil em dinheiro como sinal para garantir o negócio enquanto vou aqui ao lado na redação da Folha (De São Paulo). Voltando de lá, se o dono concordar, lhe dou o restante e fechamos a venda”.
Proposta feita, proposta aceita.
Quando Zé Fartura voltou à boca, foi recebido pelo gerente que arriscou: – “Temos um comprador para seu carro, mas ele só paga CR$ 25 mil”. Zé Fartura demonstrando contrariedade pegou um cheque visado numa agência vizinha do Banco Nacional e fechou o negócio, assinando todos os documentos, não sem antes se despedir do velho Pontiac passando afetuosamente a mão no capô do carro, chegando a ficar com os olhos marejados de lágrimas. Saiu para as ruas e foi direto para a Rodoviária, onde entrou no ônibus que o traria de volta para Itu. Como seu colega de poltrona, já estava sentado o Zé Carlos Marretta, que logo foi lhe dizendo: – “Deu tudo certo, Zé. Olha, fiquei feliz em ajudar, mas a única coisa que me incomodou foi ter que usar terno, gravata e sapatos chiques, porém apertados, além daquele chapéu de almofadinha!”
Quanto ao Pontiac, dizem que o dono da boca só conseguiu vendê-lo de verdade após 8 meses e por CR$ 10 mil…