A vida é uma passagem

Por Salathiel de Souza

Residindo no Seminário Diocesano de Jundiaí, minhas visitas a Itu estão cada vez mais raras. Quando consigo tal proeza procuro me encontrar com o máximo de pessoas para conversar e matar a saudade. Os encontros não planejados também acontecem, nas calçadas e no trânsito. Além disso, visito as igrejas da região central, nas quais vivi boa parte da minha juventude.

A capela dedicada a Santa Rita, tão querida aos ituanos, é visita obrigatória. E lá sempre encontro com a querida secretária Lola, verdadeira guardiã daquele santuário. Sempre ocupada no atendimento aos fiéis, não há condição para muita conversa. O máximo que consigo é dar-lhe um beijo e um abraço dizendo: “Só de passagem, Lola… Estou só de passagem!”. Páscoa é “passagem”. Seja no hebraico (pesach), no grego (paskha) ou no latim (pascha), significa praticamente uma transformação.

Os judeus, primeiro povo escolhido por Deus e os primeiro a adorá-lo de modo exclusivo, tiveram a sua páscoa-passagem cerca de 1400 anos antes do nascimento de Cristo. Após deixarem a escravidão no Egito, liderados por Moisés, eles “passaram” (pesach) pelo Mar Vermelho. Libertados, vagaram 40 anos pelo deserto, numa vida nômade cheia de precariedades, até atravessarem o Rio Jordão para conquistar a terra chamada de Canaã, que enfim puderam chamar de sua.

Na história dos judeus, os nossos “irmãos mais velhos na fé”, essas “passagens” foram importantes geográfica, política, econômica e religiosamente. São fatos que fundamentam toda a sua cultura e modo de ser. Mas para nós, cristãos, os “irmãos mais novos”, nossa páscoa-passagem adquire um significado além-fronteiras a respeito de tudo o que seja humano ou próprio das leis naturais deste mundo.

Os cristãos acreditam na Ressurreição de Jesus. Chamam-no de “Cristo”, que em grego significa “Ungido”. Na linguagem antiga dos judeus, o Ungido era o “Messias”, o Filho de Deus. Os cristãos professam essa fé, lembrando que fé é aquela coisa que não pode ser provada, somente experimentada; não pode ser compreendida totalmente, mas pode ser pensada; não pode dar todas as respostas, mas pode ajudar com todas as perguntas que atormentam o coração humano.

Em sua Paixão o Cristo parece derrotado pelo mundo: preso injustamente após uma vida de bem; torturado de modo extremo e condenado; vítima da inveja e da sede de vingança; alvo de incompreensões e ódios; pregado numa cruz para morrer, a mais cruel e indigna pena de morte em seu tempo. Mas, após três dias, o Cristo revela-se na verdade vitorioso. Vence a morte, vence o ódio e tudo o que vem do Mal. Ressuscita para uma vida eterna e é o primeiro a fazer isso. Uma herança reservada não apenas para ele, mas todos os que nele acreditarem como Filho de Deus.

Desse modo é que Jesus também faz a sua páscoa-passagem. É este fato que os cristãos celebram na maior festa de seu calendário religioso. É uma travessia desta vida carnal, cheia de sofrimentos, para a vida eterna no Reino de Deus. A Páscoa de Jesus nos liberta da pequenez de tudo o que é do mundo e nos faz entrar numa vida gloriosa e sem fim. O Ungido nos revela que fomos criados não para 80 ou 100 anos de provações nesta terra, mas para a eternidade feliz ao lado do Criador e de todos os que o aceitam como Pai, vivendo de acordo com os seus preceitos.

Neste mundo, portanto, estamos só de passagem. Nosso tempo aqui é breve e o objetivo é aprender quanto antes como viver do jeito que Deus pediu. Jesus falou e fez coisas surpreendentes para nos ensinar e nos ajudar nessa grande prova. No fim desta vida cada um de nós fará a sua própria páscoa-passagem particular. Tomara que todos possamos nos reencontrar na outra margem do rio, na terra prometida chamada simplesmente de Céu.

Uma Santa e Feliz Páscoa a todos!