Diabruras no Cesário Motta

Fui aluno do Cesário Motta, o Grupo Escolar mais tradicional de Itu. Era ainda no prédio que abriga hoje a Secretaria Municipal de Cultura. Tempo bom… e sofrido! A grande maioria era composta de alunos pobres, dentre os quais este que escreve. Mas, havia também os paupérrimos e os ricos. Estes eram poucos, enquanto que os muito pobres eram numerosos, em grande parte vindos da “Creche Mãezinha”. Curioso que nesse tempo, a citada creche ocupava o casarão que fica ali no Largo de São Francisco ou Praça Dom Pedro Primeiro, quase em frente ao prédio atual da Câmara Municipal. Para tirar dúvidas: o mesmo casarão que, adquirido posteriormente pelo casal Sebastião e Maria Lúcia Caselli, seria restaurado magnificamente, recuperando a majestosidade que hoje exibe como a Casa Imperial de Itu.

Mas voltemos ao Cesário Motta.

A escola tinha excelentes professores. Se eu destacar alguém aqui vou estar cometendo injustiça com outros. Mas o que mais me chama a recordação era a diferença no tratamento dos alunos para com professores, serventes, diretor, inspetores etc. Não tinha nada de politicamente correto. Nós vivíamos com o pavilhão auditivo, mais conhecido por orelha, frequentemente ardendo de tantos puxões dados por todos que se julgavam superiores a nós. A inspetora de alunos, Dona Ismênia, puxava nossa orelha e nos batia com uma vara na hora de formar a fila e gritava impropérios que o quarteirão inteiro ouvia. A professora Dona Antonia tinha deixado crescer de propósito as suas unhas do polegar e do indicador direitos, para melhor puxar e beliscar ao mesmo tempo nossos, digamos, pavilhões auditivos. Não sei como que escapamos de ser uma geração de orelhudos! Eu, pelo menos, escapei.

Já falei aqui da Dona Rosália que era uma mulata, filha do Maestro José Vitório que tem até nome de rua em Itu. Ele, claro. Dela eu vou falar daqui a pouco. Quero falar aqui do nosso Diretor Florassu Fernandes dos Santos. Nunca vi na minha vida, um professor tão violento. Com ele não tinha esse negócio de puxar orelhas, dar beliscão ou dar uns tapas. Ele adorava erguer os alunos pelas duas orelhas, chacoalhar no ar para, em seguida, atirar o infeliz ao chão. Impunha disciplina na base do pavor. Quando da formação das filas no recreio, ficava aquela algazarra própria do alvoroço infantil, mas bastava se ouvir o pigarrear de Florassu no alto das escadas para que todos se calassem. Dava até para “ouvir” o silêncio. Não tenho saudade dele, não!

Mas, o máximo mesmo era a professora Rosália dos Passos. Acho que já contei aqui, mas faço questão de repetir sempre. É a minha doce e permanente vingança. Ela guardava no armário, três instrumentos que eram a nossa tortura: um canudo de papelão duro de uns quarenta centímetros de comprimento, uma régua para desenhar na lousa de uns cinquenta centímetros e um pedaço de ripa também de tamanho semelhante. O canudo ela usava nas cabeças a bel prazer para as faltas leves, como tagarelices durante a aula. A régua era utilizada para faltas médias, tipo brincadeira-de-mão entre alguns bagunceiros. Já a ripa – você sabe o que é uma ripa não? Aquele sarrafo de madeira para suportar telhados – essa era para as faltas graves, tipo se distrair durante a reza do terço obrigatório ou na reincidência de uma falta “média”.

Naquelas salas, ela era imperatriz sem nenhuma contestação, nem mesmo do truculento diretor. Ela averiguava as faltas, ela julgava a gravidade das mesmas e ela própria condenava o “meliante”. Isso tudo no prazo de alguns minutos. E tome canudo na cabeça, reguada nas mãos e ripas acertadas onde quer que fosse. Tempos duros aqueles! Felizmente havia a imensa maioria dos professores e funcionários que nos tratavam melhor, alguns até com piedade. Porque tem também o outro lado, né! Como havia muita repetência, tinha aluno com idades de treze, quatorze anos e ainda estava na escola. Esses mais velhos, às vezes, demonstravam certas ousadias. Eu, em particular, não repeti nenhum ano e fui um aluno mediano. Mesmo assim não posso mentir que experimentei o canudo, a régua e até a ripa, por diversas vezes.

Certo dia, a professora Rosália, dava aula de português e escolheu três alunos para fazer uma frase que tivesse as palavras “com certeza”.

Maurício Candiani que era bem de vida, pois o pai tinha um armazém na Rua Sorocaba, fez a seguinte:

– Hoje meu pai me trouxe para escola de caminhonete, porque com certeza o carro está na oficina.

Chico Peres, cujo pai era dono do Restaurante São Luiz, apresentou outra frase:

– Hoje de manhã, minha mãe fez o café no bar, porque com certeza, a empregada faltou.

Depois foi a vez de Dito Almeida, que após as aulas trabalhava como engraxate, fazer a terceira:

– Hoje de manhã, minha vó pegou um jornal e com certeza, foi fazer cocô, pois ela não sabe ler.

Este último mereceu as reguadas que recebeu, né???