Cartas marcadas
Por André Roedel
Senado Federal, 31 de agosto de 2016. Local e dia marcados para sempre na história do Brasil. Pela segunda vez em menos de 30 anos, um presidente eleito sofre processo de impeachment. No caso, uma presidente. Dilma Rousseff, acusada de crime de responsabilidade, já não tinha esperanças de salvação. O julgamento foi uma mera formalidade. Ela já estava condenada muito tempo antes, talvez desde que se elegeu pela primeira vez, no já longínquo ano de 2010.
Dilma foi escolhida para ser sucessora de um dos maiores presidentes que o país já teve. Popular e tendo feito um bom governo, Lula teria dificuldades em encontrar alguém para sucedê-lo. Apostou na “mãe do PAC”. Com fama de “gerentona autoritária” e “boa administradora”, Dilma – que lutou contra a ditadura – acabou vencendo a eleição muito pela ajuda de seu padrinho político. Porém, nos quatro anos seguintes, não fez um bom governo e acabou isolada.
Uma série de protestos cobrando diversas demandas (passe livre, mais saúde, melhor educação) começou a pipocar em 2013 e, em 2014, ano eleitoral, o país rachou de vez. De um lado, apoiadores do governo petista. De outro, pessoas insatisfeitas com o mesmo. Pra piorar a situação de Dilma, a Operação Lava-Jato, deflagrada pela Polícia Federal, mostrava ao mundo diversos esquemas de corrupção realizados em seu governo. Como Lula, ela dizia não saber de nada. Mesmo com tudo isso, a petista foi reeleita. O que tornou a situação ainda mais insuportável para boa parcela da população – e dos reais detentores do poder, os poderosos donos de empreiteiras e bancos.
Em seu primeiro ano de mandato novo, Dilma teve que conviver com diversas manifestações contrárias ao seu governo por todo o país. O clamor das ruas somado com a inabilidade da presidente em construir alianças com o Congresso (além de toda a engenharia feita pelo corrupto presidente da Câmara Eduardo Cunha para derrubar Dilma) fez o processo de impeachment ter início.
Um golpe? Para muitos, sim. Porém um “golpe constitucional”. Dilma teve direito à ampla defesa, um excelente advogado (o ministro José Eduardo Cardozo) e um sem fim de militantes ao seu lado – sem contar a cobertura da mídia (tendenciosa por vezes, mas sempre presente). Muitos compararam e ainda comparam o impeachment com o Golpe Militar de 1964, o que, pra mim, é uma afronta contra quem realmente sofreu com a ditadura. Como a própria Dilma, por exemplo.
Se foi golpe ou não, fica difícil dizer. Talvez o golpe maior tenha sido a manutenção dos direitos políticos de Dilma, o que abre precedente para Cunha e outros se salvarem… O certo é que o assunto “impeachment” está longe de sair do noticiário nacional. Mas agora, ao menos, a população tem uma definição: Michel Temer, então vice, será o presidente até o fim de 2018. Apoiado no discurso de recolocar o Brasil nos trilhos, o peemedebista terá uma dura missão pela frente.
Além de administrar um país da dimensão do nosso, terá que ao menos tentar reunificar o povo – que, como dizem por aí, está rachado entre “coxinhas” e “petralhas”. Isso tendo que conviver com inúmeros protestos – agora realizados por quem até então sofria com os mesmos e que aprovavam as ações do governo. A situação se inverteu, quanta ironia!
Enquanto os grupos políticos se digladiam em busca do poder, a população normal fica com aquela sensação de impotência. De que tudo vai acontecer como os poderosos querem, independente de suas escolhas na hora de votar. Pois assim é a política nacional: um grande jogo de interesses, em que as cartas já estão marcadas. E quem vai pagar a conta todos já sabem…