O esporte faz amizade
J.C. Arruda
Quando o glorioso Clube Atlético Ituano foi campeão duas vezes da 3ª Divisão da Federação Paulista, acabou promovido para a “segundona”, que era o apelido da 2ª Divisão. Quase todos heróis da conquista anterior foram incompreensivelmente substituídos por outros nomes de maior prestígio, inclusive o técnico Lapa, que acabou cedendo lugar para outro mais famoso. Foi um erro, pois nem todos os novos craques suavam a camisa como os anteriores. Até que chegou um novo técnico, o Raul, e as coisas melhoraram. O homem chegou com fama de machão e mostrou que era mesmo. Fazia o time correr pra valer.
Vária vezes virou o jogo no vestiário, com broncas homéricas na base do grito e até ameaças contra os jogadores. Com ele não tinha esse lance de craque, não. Todos tinham que correr e muito. A torcida, aliás, até pegou o costume de se dirigir para baixo dos vitrôs que davam para os vestiários, no intervalo dos jogos, só para ouvir os sermões e gritos do técnico Raul. O rubro-negro fez excelente campanha e, no fim do ano, ele foi para outro time. Mas, deixou o nome feito em Itu.
Nos anos seguintes, cada vez que o time ia mal a solução era ir atrás do Raul. Ficou tão íntimo que quando dirigia outros times como o São Bento ou o Paulista preferia manter residência fixa em Itu, viajando pela manhã e voltando à noite para dormir por aqui. Numa das temporadas que dirigiu o Ituano, começou a dar oportunidade para um juvenil que jogava na meia e era conhecido por Massola. O rapaz ficou tão grato ao técnico que passou a dedicar ao mesmo, especial amizade.
Aos poucos, os dois não se desgrudavam. Onde estava o Raul, estava o Massola. Era nas quermesses, no cinema, no circo, em todos os lugares possíveis, que a dupla sempre estava. Como o Raul nunca tinha sido casado e o Massola ainda não tinha idade para se interessar por núpcias, é claro que os fofoqueiros, e mal intencionados, passaram a fuxicar sobre a amizade dos dois. No final de uma temporada, o Raul deixou o Ituano para ir treinar o glorioso Central de Minas Gerais. E não há de se ver que ele conseguiu um contrato profissional para o amigo Massola? Pois, a partir dalí, para o time que Raul fosse, o Massola ia junto e, com um detalhe: como titular absoluto.
Da última vez que voltou para Itu, trouxe evidentemente o Massola na bagagem e, após assinarem o contrato, o craque do Raul ganhou a condição de titular. Como, geralmente, santo de casa não faz milagre, os comentários na cidade sobre essa inoxidável amizade se multiplicaram. Todo mundo queria saber até onde ia essa relação que dava ao rapaz a condição de titular. Só que ninguém tinha coragem de averiguar, nem junto do protegido, por temer alguma represália, e muito menos junto ao protetor que, como já se sabe, tinha a fama de violento e briguento.
Porém, foi numa segunda-feira, quando os jogadores estavam no Estádio Municipal para um treino de desintoxicação após uma grande vitória contra o São Bento de Sorocaba, no sábado anterior, estavam todos sentados no círculo central do campo, comentando como tinha sido o fim de semana de cada um, quando chegou a vez do Massola falar:
– Olha pessoal, eu comemorei a vitória junto com seu Raul. Tomamos uns drinques, algumas cervejas e depois começamos a contar piadas um para o outro. Cada uma mais cabeluda do que outra. Lembro que contei uma tão engraçada e o seu Raul deu tanta risada que quase caiu da… cama!