O chá do Guaçu
J.C. Arruda
Você que está lendo esta coluna já viu na TV ou no cinema alguma pessoa que caminha descalça sobre um canteiro de brasas? Eu, acredite, embora não tendo nenhum grau de parentesco com o saudoso Trapachini, não só vi essa cena pela TV e pelo cinema, como já presenciei ao vivo. E acredite mais: não satisfeita em caminhar pelas brasas com os próprios pés, essa pessoa em seguida pegou uma criança pela mão e atravessou o braseiro com ela, estando também a criança descalça.
Meu velho pai costumava me contar coisas surpreendentes dos tempos antigos. Por exemplo, a figura do “curador” que era o socorro da gente simples que morava na roça, onde não havia médico. O curador conhecia ervas para tudo quanto era doença. Desde espinhela caída, até paixões mal resolvidas. Me contava que era comum o sitiante chamar um curador inclusive para curar a bicheira de animais. Meu pai garante que presenciava o benzimento ao vivo. O animal amarrado e o curador de joelhos fazendo uma oração. Os bichos iam caindo todos deixando por fim a ferida limpa, sem tocar a mão no ferimento e sem utilizar nenhum medicamento.
Um dos mais famosos curadores de Itu, foi o Guaçu, um senhor que só tinha um dos braços, visto que havia perdido outro num acidente de charrete. Nem mesmo o acidente conseguiu por medo nele, pois com um só braço, continuou sendo um hábil condutor de carroças e charretes. Ele era espiritualista e era convocado pelas pessoas aflitas para resolver problemas dos mais variados tipos. E acho que ele tinha mesmo algum poder especial, porque ninguém reclamava dos resultados obtidos por meio de suas intercessões espirituais.
Como era muito respeitado e querido, constantemente era cortejado por políticos, ainda mais em época de eleição. Sempre foi amigo do inesquecível Galileu Bicudo, comparecendo aos comícios deste. Quando chegava a hora de aplaudir os candidatos ele batia com a única mão no próprio peito ou, quanto queria brincar com os amigos, dava tapas seguidos nas costas deles. Só por aí já dá para perceber que era bem humorado. Não raramente era convocado por alguém para fazer alguma macumba. Ele não gostava dessa palavra, pois só trabalhava para o bem. Então ele dizia que concordava só se fosse para fazer um “trabalho espiritual”.
Nunca cobrou um centavo que fosse de ninguém para dar essas ajudas. As vezes, gente mais íntima dele, queria saber se ele era capaz de resolver qualquer problema. Claro que era um teste, não raro malicioso, só para provocá-lo. Mas Guaçu tirava de letra, até com sarcasmo: – “Lógico que não! Tem coisas que nem todo o poder do mundo consegue resolver. Por exemplo ninguém consegue deter água morro abaixo, fogo morro acima e mulher que quer chifrar”. E dava umas gargalhadas.
Um caso que ficou marcado, diz que Guaçu foi procurado em sua casa por uma senhora que pedia socorro urgente para sua situação.
– O que está acontecendo com a senhora? – Foi perguntando o curador.
A mulher explicou:
– Ah, seu Guaçu, não sei mais o que fazer. Todas as vezes que meu marido chega em casa bêbado, ele me bate. Me enche de pancada.
Guaçu: – “Eu acho que tenho um remédio muito bom. Preste a atenção. Quando seu marido chegar em casa de porre, basta pegar uma xícara de chá de camomila e começar a gargarejar. Apenas gargareje, que vai dar certo…
A mulher, incrédula, questionou:
– Mas, o senhor acha que eu gargarejando chá de camomila vai acalmar meu marido que chega bêbado e violento?
Guaçu: – “Eu aprendi isso com a minha saudosa avó. Além de acalmá-lo, é uma espécie de simpatia. Apenas, faça isso. Gargareje e gargareje”.
Duas semanas depois a mulher voltou ao curador, radiante.
– Seu Guaçu! Foi uma receita brilhante! Toda vez que meu marido chegou em casa bêbado eu gargarejei muitas vezes com o chá de camomila e ele não me bate mais. Será que a simpatia está fazendo efeito, seu Guaçu?
E o sábio curador, respondeu.
– A senhora está vendo como calar a boca ajuda?