Farinha pouca, meu pirão primeiro
LUCAS GANDIA
As prateleiras das lojas começam a ser tomadas pelos enfeites de Natal. Os supermercados já estão abarrotados de panetones. As chamadas do Especial do Roberto Carlos logo devem ir ao ar na TV Globo. É… 2016 está chegando ao fim; passou rápido, mas não foi nada fácil. Bem sabem os cerca de 12 milhões de desempregados no Brasil. O que falar, então, do jogo sujo escancarado nos bastidores da política? E a crise financeira sem precedentes? Uma olhada rápida nos jornais apenas reforça aquela sensação de que este ano foi uma briga em que todos saíram perdendo. Os meses passados nos deixaram exaustos, preocupados e tensos. E ainda vem dezembro pela frente!
De todos os reflexos dessa aflição coletiva, um dos mais preocupantes é o caminho cada vez mais acentuado rumo à individualidade. Imersa em um mar de dúvidas e incertezas, a sociedade tem se tornado cada vez mais egoísta. A máxima da “farinha pouca, meu pirão primeiro” nunca esteve tão forte. Alguém duvida disso?
Dois dos eventos mais importantes no noticiário internacional de 2016, o Brexit e a vitória de Donald Trump escancaram as preocupações de um mundo que já não quer mais brincar de globalização. Se antes as fronteiras eram um empecilho para o desenvolvimento coletivo, hoje os muros e cercas são vistos como salvadores da pátria.
Nos dois episódios, o temor representado pela figura do “outro” tornou-se peça chave para ditar prováveis mudanças na nova ordem mundial. No caso da retórica de Trump, o ressentimento de uma parte importante da população dos EUA contra estrangeiros e refugiados foi capitalizada pelo republicano. Já no Reino Unido, preocupações com a imigração e, sobretudo, com o livre fluxo de cidadãos europeus também foram fatores determinantes para a mobilização do eleitorado britânico que votou a favor do Brexit.
E não para por aí: o que falar dos nossos vizinhos colombianos que negaram um plano de paz disposto a por fim a uma guerra civil com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) que já dura mais de meio século? Certamente possuem seus motivos, mas é difícil compreender por que um povo optou por continuar fazendo guerra dentro do próprio território.
No Brasil, infelizmente, embora os personagens sejam outros, o enredo não é muito diferente. Se na terra do Tio Sam o futuro presidente conquistou a maioria do colégio eleitoral na base do ataque contra latinos, negros, LGBTs e imigrantes, por aqui sobram representantes com discursos de ódio ainda mais inflamados.
Nas redes sociais, pessoas têm perdido a paciência por conta de qualquer opinião divergente. No meio do fogo cruzado da Internet, antigas amizades são desfeitas em função de banalidades que não mudam nada na vida de ninguém. Aí surgem novas fronteiras; criam-se cercas invisíveis para tornar a convivência amigável apenas entre aqueles que partilham dos mesmos pontos de vista. Sobra egocentrismo; falta altruísmo.
Prever os futuros políticos, econômicos e sociais é tarefa difícil até mesmo para os especialistas, mas parece improvável que os muros – reais e imaginários – caiam abaixo enquanto persistir a impunidade dos corruptos; a insaciável fome dos governos que arrecadam sem nada oferecer; a desqualificada educação oferecida às novas gerações e o desprestígio aos professores.
Quando compreendermos o valor da união, quem sabe tenhamos força para resgatar os rumos de uma sociedade verdadeiramente coletiva. Os tempos serão outros quando chegarmos à conclusão de que, se “nenhum homem é uma ilha”, é melhor dividir o pirão do que encher a barriga sozinho.