CHUVAS DE OUTRORA

 

As fortes chuvas que ultimamente têm caído na cidade me fazem pensar nos aguaceiros de outrora.

Muitas vezes ouvira falar que Itu era um guarda-chuvão. Chovia em Cabreúva, em Porto Feliz, em Sorocaba e no Salto, mas as águas não chegavam até aqui. Quando muito o céu escurecia e derramava um pouco daquele pingo grosso, chamado de quatrocentão.

Quatrocentão, para os que desconhecem, além de cognome de paulista tradicional, era também o apelido de uma grande moeda de quatrocentos réis, que na ocasião daria para comprar boa porção de carne nos açougues locais, mas que antigamente compraria o próprio boi e, mais remotamente, mesmo uma boiada.

Vai daí que o espetáculo da chuva em Itu, um tanto inédito, merecia ser apreciado. Os adultos iam para a janela e convidavam as pessoas desprevenidas, que apressavam o passo, pois todos então se conheciam:

“Entre aqui, seu José. Tome abrigo. Não se acanhe”.

De quando em vez, uma chuva das bravas. O pai explicava que não deveríamos temer os raios porque em Itu havia muitas igrejas, equipadas com para-raios. Mas as mulheres da casa pareciam não pensar assim. Bastava o tempo enfarruscar e ameaçar intempérie, lá iam elas correndo pelos cômodos, separando bacias para as goteiras, cobrindo os espelhos, desligando o rádio, a geladeira, o ferro de engomar, enfim tudo quanto pudessem , enquanto recomendavam que não se pegasse em tesouras nem em talheres. Verdadeira azáfama para se precaver do temporal prestes a chegar…

Tranquilas mesmo as crianças só se sentiam no quartinho da Maria, uma empregada bastante paciente, que ia rezar no seu canto, enquanto o céu ameaçava vir abaixo . Acendia uma velinha aos dois santos de sua predileção para a ocasião, que sua imaginação enxergava a certa altura da parede, pois não dispunha de imagens. Pedia com insistência, somente interrompendo a reza quando a chuva cessasse:

“São Jerônimo, Santa Bárbara Virgem.

lá o céu está escrito,

entre a cruz e a água benta:

Livrai-nos, Senhor, desta tormenta!”

Certa vez uma chuva destas surpreendeu as crianças no casarão do Grupo “Cesário Motta”. As professoras providenciaram para que todas se dirigissem ao corredor e lá, em conjunto, rezou-se o terço, enquanto fora a agitação da ventania arrancava as mangas da velha mangueira, arremessando-as à distância, algumas mesmo contra os vidros das janelas. Foi aquele susto geral.

Chegada a bonança, os pais aflitos aguardavam as meninas à porta. Indagada se sentira medo, respondi que não. Realmente nada temera. Durante o responso do terço, sob o olhar severo de D. Ismênia, a inspetora de alunos, eu pensara na rezinha da Maria, invocando São Jerônimo e Santa Bárbara, convencida de que nenhum mal poderia me acontecer…

Maria Lúcia Almeida de Marins e Dias Caselli
Cadeira nº 1
Patrono Euclydes de Marins e Dias