Polícia para quem precisa

Por André Roedel

 

Nunca vou me esquecer de uma aula de Língua Portuguesa na faculdade de Jornalismo em que a professora falou sobre a mensagem implícita na música “Polícia”, escrita por Tony Bellotto, da banda Titãs. Como dizem na internet, minha cabeça explodiu ao perceber. Estava na minha cara e nunca reparei. “Polícia para quem precisa”, diz a letra. Ou seria outra coisa?

O leitor é inteligente e sabe que a música contém, na verdade, uma grande crítica à força policial brasileira, sempre marcada por abusos e truculência. Porém, apesar de todos os problemas, é na polícia que boa parte dos brasileiros vê um porto seguro, algo em que confiar. Afinal, se não confiarmos em um policial, em quem confiar?

A crise na segurança no estado do Espírito Santo – que, até o momento, culminou em dezenas de mortes e saques a estabelecimentos comerciais – reacendeu a polêmica da necessidade da polícia para o estabelecimento da ordem e também a discussão sobre a desmilitarização das corporações estaduais.

O deputado estadual Marcelo Freixo, do PSOL do Rio de Janeiro, é um dos grandes apoiadores do fim da Polícia Militar como conhecemos hoje. Sua posição, entretanto, causa controvérsias e debates acalorados – principalmente nas redes sociais, que cada dia mais se tornam terra de ninguém.

Porém, a opinião de Freixo é compartilhada por boa parte dos mais de 21 mil policiais ouvidos pela pesquisa “Opinião dos Policiais Brasileiros sobre Reformas e Modernização da Segurança Pública”, realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Fundação Getúlio Vargas e Secretaria Nacional de Segurança Pública. O levantamento, ocorrido em 2014, mostrou que 76% dos policiais defendem o fim do modelo militarista.

“Com a desmilitarização ganham os PMs e a sociedade, que terá uma polícia treinada não para a guerra, mas para a proteção dos direitos e promoção da cidadania”, afirmou Freixo em seu Facebook recentemente por conta da polêmica no Espírito Santo. Aliás, talvez até a crise no estado capixaba poderia ter sido evitada se o debate do fim do militarismo na polícia tivesse sido discutido com mais profundidade no passado.

Afinal, desmilitarizar não significa que os policiais serão desarmados, proibidos de patrulhar as ruas ou impedidos de prevenir crimes. Desmilitarizar a PM é transformá-la numa instituição civil, pois hoje ela é vinculada ao Exército. A mudança proporcionaria, inclusive, melhorias trabalhistas aos policiais, que atualmente não têm poder de se manifestar e estão sujeitos a punições descabidas em muitos casos.

Fora que evitaria todos os excessos e descalabros registrados na atuação da polícia militar Brasil afora, que já causou a morte de inocentes e massacres como o do presídio do Carandiru, em São Paulo, no ano de 1992. Tudo isso que já ocorreu é culpa do formato atual, em que forças armadas são treinadas para matar inimigos.

“Treinar a polícia assim é inadequado, pois o policial deve respeitar direitos, bem como deve ser julgado como um cidadão comum e não por uma Justiça Militar”, disse em uma entrevista à EBC o professor de direito penal Túlio Vianna, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Enfim, desmilitarizar a polícia é torná-la mais humanizada, próxima da realidade da população. É fazer com que tenhamos, realmente, uma polícia para quem precisa. E sem mensagem subliminar alguma.