Tributo a um guerreiro

“Quaisquer sofrimentos que apareçam no caminho (…) se forem tomados no espírito correto, tornar-se-ão um meio para alcançar a vitória”.

Sri Auribindo
Magro, maltratado, bravo. Manco de uma pata traseira, soubemos que sobrevivera a um atropelamento quando novinho. Várias vezes o víamos preso numa garagem, sem alimentação, enquanto seu dono – um caseiro – desaparecia por dias da casa da qual deveria cuidar. Penalizada com o abandono nesses dias, mais de uma vez ousei ir até aquele cão para levar-lhe um prato de comida. Que ele comia com sofreguidão.

Até que o proprietário nos cedeu esse quase abandonado ser vivo.

Começou um longo período de adaptação. Nas primeiras semanas, para meu espanto, ele ainda voltava vez ou outra para a antiga casa. Até se acostumar ao novo lar, revelando um profundo apego de quem encontrou o bom abrigo. Doce, mas cumprindo a função de guardar como tão bem fazem os cães pastores. Ciumento, interpunha-se entre os outros animais, buscando com o próprio corpo a exclusividade do meu carinho. Grande, pedia colo como se pequenino fosse. Nessas horas, ganhava o apelido de “chato”.

Foi aos poucos que conquistou a confiança de minha Bonitinha, cadelinha com quem passou a dar longos passeios pela fazenda. E assim passou-se mais de ano de forte convivência.

Por questão de saúde, deixei de ir até lá por semanas. Quando voltei com Bonitinha, antevendo a alegria do reencontro dos dois, a triste notícia. Nosso chato cão Guerreiro perdera a guerra contra a morte. Teria sido um raio naquela noite de tempestade em que sumira? Animal peçonhento? Impossível saber.

Gente é gente, cães são cães. Descendentes dos lobos, territorialistas, escolhem seus donos a quem tratam como chefes da matilha. Não importa se saímos por uma hora ou um ano. No retorno, sempre a manifestação de esfuziante alegria do reencontro. Fidelidade e proteção.

Guerreiro, que desde novo tanto lutou pela vida, foi-se sem dizer adeus. E, no entanto, deixou o rastro dessa fidelidade, alegria e amor sem medida.

Como será o céu dos caninos? São Francisco de guardador? Santa Clara no apoio? Quanto amor caberá nesse espaço? Retornará sua alma num novo animalzinho protetor, como acreditam os budistas? Virará estrela, como descrevem alguns grupos indígenas? Sei apenas, que – mesmo que curta e tão sofrida em seu início – sua presença, marcada pelo ingênuo amor dos animais, não foi em vão.

A história do belo cão Guerreiro torna-se mais uma lenda para iluminar a fazenda em sua vocação para o turismo rural e de aproximação com a natureza.

 

Silvia Czapski

Cadeira n. 04

Patrono Benedito Lázaro de Campos