ECOS DO “BECÃO”

Não há ituano que não conheça o famoso “becão”. Hoje rua XV de Novembro e abriga o espaço Marcos Steiner para exposições de arte. Passagem estreita para pedestres e pavimentada em varvito, liga a rua dos Andradas até a rua Santa Cruz.

Viela singular, registrou a passagem de grandes personalidades, gente da melhor estirpe ituana e também algumas da pior espécie.

Por ali vagaram celibatários convictos, andarilhos arrastando suas tralhas, pedintes sem-vergonha, prostitutas, católicos fervorosos, entregadores de convites de missas a funerais, escolares apressados, professoras sisudas, cortadores de lenha, vendedores de salgadinhos, entregadores de marmitas e amoladores de facas e tesouras. Boêmios cambaleantes urinaram em seus postes e vomitaram seus excessos etílicos.

O becão nos remete a recordações primorosas. O Grupo Escolar Dr. Cesário Motta, onde decorei o alfabeto e as tabuadas. A escola de datilografia da dona Emilia com suas máquinas centenárias. O sobradão da Light e seus azulejos portugueses, a barbearia dos irmãos Guido, o sobradão da família Bispo, o Hotel dos Del Campo com o folclórico Anésio e suas marmitas fumegantes, a casa do meu padrinho e a humilde igreja de São Benedito.

Mas nos ecos do becão ainda ressoam lembranças, algumas assustadoras, como o negro Tomé, um grandalhão rachador de lenha que andava descalço e se vestia apenas com as calças e carregava um enorme machado. O popular e franzino Clóvis, um jornaleiro que distribuía “A Gazeta de Itu”, convites fúnebres e a programação do Cine Marrocos, quando era provocado pela criançada que gritava:

Marrocos vai cair!

Bastava isso para que ele saísse aos gritos e louca disparada atrás delas, proferindo palavrões e obscenidades.

Com berros desconcertantes e invocando nomes de políticos entre gargalhadas, havia o Sirvião, sujeito que caminhava como um antropóide e se vestia com calças largas e chapéu encardido.

Contudo, o ponto alto do becão era a casa do meu padrinho, por ocasião das férias escolares que coincidiam com a festa de São Benedito. Meu padrinho voltava a ser criança. No domingo, desde o início da manhã, desfilavam negros bem trajados e negras bem vestidas carregando crianças no colo, todos a caminho da igreja.

Sob protestos da madrinha, preparávamos as brincadeiras. Amarrávamos cédulas de pequeno valor às linhas de pescar e as colocávamos no passeio do becão à espera dos incautos transeuntes. Ficávamos escondidos atrás das venezianas e de prontidão para puxar a linha, assim que eles se abaixassem para pegá-las. Alguns riam, mas outros nos mandavam para aquele lugar. A segunda era preparar pequenos presentes com caixinhas de joias recheadas de titica de galinha e deixadas no chão.

Hoje em dia não se ouve mais a gritaria da decoreba do Cesário Motta nem o matraquear das máquinas da dona Emília. Demoliu-se o sobradão da família Bispo e o Hotel da família Del Campo.

Que pena!

Guilherme Del Campo

Cadeira nº 11 I Patrono Mario de Andrade