A culpa do genro
J.C. Arruda
Desde os 12 anos, quando completava o primário no colégio de freiras em Itu, a menina Fádiah já era um colírio para os olhos dos garotos que frequentavam o Largo do Carmo todas as tardes para esperar a saída das estudantes da escola. Era filha do seu Abdalla que era chamado por todos na cidade por “turco”, embora fosse libanês de nascimento. O armarinho do turco era conhecido na cidade toda, pois alí se abasteciam as damas da cidade que estivessem em busca de tecidos finos para suas vestimentas. Era um ramo que dava lucros pois, naquele tempo as mulheres usavam muito pano, ao contrário do que acontece hoje em dia, quando elas se acham quanto mais peladas, melhor. O turco só chamava a filha de Fadinha.
Mesmo dentro daquelas saias rodadas que vinham até abaixo dos joelhos, com o tempo Fadiah não conseguia esconder as curvas que a rapaziada começava a descobrir nela. Os anos passaram e todas as expectativas se confirmaram. Por volta dos 18 anos, a turquinha já era uma das moças mais paqueradas da cidade. Só que, a vigilância da família que não era nada boba, se mantinha atenta e constante para os gaviões que se aproximavam daquela presa atraente. Então Fadinha se limitava a trocar olhares com alguns rapazes, sem chegar a namorar efetivamente.
Embora sendo de origem árabe, a família do seu Abdalla inteira frequentava a religião católica. A missa das dez aos domingos na Matriz era infalível para todos, inclusive para os dois irmãos de Fádiah. Se por um lado, a família havia optado por ser católica, nos costumes caseiros se mantinha nos hábitos islâmicos, ou seja, a moral acima de tudo. Bem por isso, não foi grande surpresa quando a turquinha teve seu primeiro namorado, o Reginaldo, um jovem que também exibia toda a castidade possível.
Não era um jovem rico, mas era promissor. Além de não ser mulherengo, era calmo, tranquilo e meio que desapegado de farras e bebidas, além de ser excelente aluno de contabilidade na Escola Junqueira Ortiz. Logo que se formou foi trabalhar nos escritórios da Fábrica de Tecidos Maria Cândida, onde se tornou querido dos chefes e patrões. Por todas as qualidades evidentemente acabou por conquistar, além da bela Fádiah, toda a família dela que praticamente o adotou, após o casamento, que ficou marcado na história daqueles tempos, pois as festividades duraram uma semana inteira.
A vida a dois de Fadinha e Reginaldo transcorria calmamente, passando pelos dias, meses e quando já completava um ano, o velho Abdalla começou a estranhar a não chegada de um neto tão desejado. Passou-se mais um tempo e nada da cegonha acenar. Só aí, a zelosa família começou a notar que Fádiah, em várias tardes da semana, saia para ir à manicure, ou à cabeleireira ou mesmo tomar um sorvete na Sorveteria Líder. Claro que aí, sem grande vigilância da família e, passeando sozinha, fez algumas amizades. Inclusive com rapazes. Parecia ter ganho uma vida nova. Mais feliz e vibrante. Foi quando começaram a surgir os falatórios.
As fofocas aumentaram quando, somente no período da tarde, ela, sendo uma mulher casada, começou a usar uma mini-saia. Comportada sim, mas uma mini-saia. Afinal era a grande descoberta da moda em todo o mundo. Mudou até o jeito de andar, quando estava sozinha pelas ruas. Parecia mais estar desfilando com maquiagem e tudo mais. Enquanto isso Reginaldo se mantinha fiel como dedicado contador da Fábrica de tecidos, sem se dar conta das mudanças que estavam ocorrendo com a mulher. Como o cântaro tanto vai a fonte que um dia acaba se quebrando, no dizer do provérbio árabe, também o casamento de Reginaldo e Fadiah se partiu.
Cada um foi para seu lado, mas o impacto da separação fervia na cidade. A questão era saber como é que a família de Abdalla aguentaria todos os fuxicos que se multiplicaram na sociedade e o armarinho do turco passou a ser mais frequentado por curiosos que se fingiam de fregueses, mas que na verdade queriam mesmo era saber das novidades sobre o acontecido. As pessoas chegavam iam com aquela conversa mole, até ganharem coragem para perguntar ao velho “turco”:
– Que coisa que foi acontecer na sua família, heim seu Abdalla?
– Como assim? – Se indignava ele – Na minha família vai tudo bem. Do que você está falando?
– Do casamento de sua filha. Não deu certo, né?
– Claro que deu. Foi tudo bem até que o meu genro se decidiu por ser corno. Aí todos achamos melhor a separação… Pois em família árabe, corno é inaceitável!
E continuava impassível a atender as freguesas como se nada tivesse acontecido.