A penúltima do Trapachini
J.C. Arruda
Gente, hoje vou chover no molhado, ou seja, novamente vou falar do personagem que mais frequentou esta coluna nos quase quatro anos de publicações. Isso mesmo: Giuseppe Trapachini. Vocês lembram que, há pouco mais de um mês, o Ademir Fragnani conseguiu descobrir uma aventura do Trapachini que ninguém conhecia? Eu publiquei e, de fato, ninguém conhecia. Pois, nesta semana, outro leitor, o Leonardo Buzzo entrou em contato com a redação para contar outra inédita do velho Trapachini. Bem, diz o Buzzo que é inédita. Confesso que não conhecia.
Antes de tudo, convém repetir que Trapachini era um artíficie de muitos talentos como todos nós estamos cansados de saber. Motorista, mecânico, pedreiro, pintor (de paredes), pescador, caçador, truqueiro, soldado, etc., etc., só que, em cada modalidade, sempre foi melhor, muito melhor do que os outros. Cada vez que ele começava uma frase dizendo “não é que eu queira me gabar” é porque era exatamente isso que ele ia fazer em seguida, ou seja, fazer um auto-elogio e sempre se comparando a alguém que, indubitavelmente, lhe era inferior.
Será que alguém esqueceu de que, logo após terminada a Segunda Guerra Mundial, Trapachini voltou para o Brasil cravejado de medalhas no próprio peito, todas por atos de bravura no campo de batalha? Alguém se esqueceu de que ele foi alvo praticamente de um milagre quando uma potente bomba explodiu bem pertinho dele da qual ele saiu são e salvo após se proteger atrás da Torre de Pisa? Alguém olvidou por acaso que, sendo bem agradecido, logo que retornou ao Brasil, a Itu, mais precisamente, telegrafou ao Papa Pio XII se oferecendo para “endireitar” aquela torre em sinal de gratidão? Só não foi fazer o serviço porque ninguém lhe deu resposta à oferenda.
Mas ele garantia: – “Com dois serventes bons e um macaco hidráulico, eu colocava aquela torre no plumo em menos de 15 dias e se me derem mais 30 dias e eu puder levar o Caetano Ruggieri comigo, tenho certeza que eu entrego aquele teatro abandonado que eles chamam de coliseu, completamente rebocado. Deixo só a pintura final para eles fazerem porque dizem que na Itália tem alguns pintores competentes”.
Mas, quando ele esteve na campanha da Italia, ainda era relativamente jovem. Quando retornou a Itu, só recebeu as condecorações pelos atos de bravura, mas dinheiro que é bom, nada. Assim Trapachini continuou com sua vidinha na cidade, sendo um homem dos sete instrumentos como se dizia na época ou como o homem Bombril conforme se diz hoje, por ter 1001 utilidades.
Quando se aposentou, foi com a esposa Dona Gina e o filho Enrico, morar numa casa que havia na Ilha dos Amores, a qual existe até hoje no Rio Tietê e está desativada mas, que naquele tempo, era um recanto de pescadores que se dirigiam ao local para pescar, fazer churrascos, jogar baralho etc.
Trapachini a esposa e o filho passaram a ser zeladores da ilha e viveram anos ali com o salário de aposentado do marido e gorgetas dos pescadores e caçadores que frequentavam o local. Nem preciso dizer que Trapachini adorava esta vida mesmo porque sempre foi eximio tanto na caça como na pesca. Como não há bem que sempre dure, certo dia apareceu por lá um Fiscal Florestal. Por incrível que pareça ele não precisou se identificar para que Trapachini logo percebesse o cheiro de fiscalização, pois ele sempre foi macaco véio.
– Bom dia – Foi logo dizendo o homem.
– Bom dia – Respondeu Trapachini
– Como vai a luta?
– Difícil!
– Tem caçado muito?
– Tenho. A semana passada 20 marrecos.
– Vinte? Não acredito!
E Trapachini chamou o filho:
– Enrico, pega as cabeças dos marrecos para mostrar pro moço.
– E paca? Tem conseguido alguma?
– Esta semana só uma. Enrico, traz a cabeça da paca pra mostrar pro homem.
– E outros animais, tem matado bastante?
– Vários deles. Filho, traz a cabeça dos outros animais para este senhor ver.
– Não tem passado por aqui nenhum Fiscal Florestal?
– Sim. Na semana passada. Enrico, traz a cabeça do Fiscal pro homem ver.
– Não! Não é preciso. Estou meio com pressa e obrigado pela atenção. Até outro dia.
– Até outro dia – Disse Trapachini enquanto, disfarçadamente, dava uma piscadela com um dos olhos para o filho que sorriu bem malandro…