Agora vai? Previdência remodelada
Por Fátima Turci*
A Reforma da Previdência, aprovada semana passada pela Câmara dos Deputados, é um grande Remendo, uma costura de interesses. Sem dúvida, necessária, mas muito longe do ideal. Como todo remendo, porém, irá, pelo menos, evitar um rasgo maior no fundo buraco do déficit público.
Se analisarmos mais profundamente as mudanças introduzidas, veremos muitos pontos polêmicos e conflitos ainda não solucionados. As alterações flexibilizam regras para homens, mulheres, professores e policiais. Por mais que se queira defender alguma categoria, é difícil justificar não dar os mesmos privilégios para outras. Mineiro, petroleiro, boiadeiro, agricultor ou médico têm risco ou direito menor do que professor ou policial? Numa sociedade mais justa não podemos administrar por exceção.
Além de manter alguns benefícios, a Reforma deixou de fora os Estados, que estão em calamidade financeira devido ao crescimento das despesas com aposentadorias. Se essa regra não for alterada no texto final, que passará ainda pelo Senado, o Brasil terá muita dificuldade em sanear essa significativa fonte de desequilíbrio fiscal.
Outro ponto polêmico é a pensão por morte do segurado. O cônjuge e os dependentes não poderão receber menos do que um salário mínimo, quando for única fonte de renda formal. Acontece que nós já vimos esse filme: claro que teremos um aumento da informalidade, que eu insisto em chamar de ilegalidade.
O pior impacto das mudanças no texto original da reforma, encaminhado pelo ministro Paulo Guedes, foi a perda de redução das despesas. Um dos principais objetivos da Reforma da Previdência é tapar o rombo dos gastos para sobrar recursos e injetar no mercado. A economia com aposentadorias e pensões não deve superar R$ 900 bilhões em dez anos.
De qualquer maneira, teremos redução de despesas e, o principal, uma reversão de tendência. O brasileiro está simplesmente desesperado por mudar o filme e a vida. Os agentes econômicos estão prontos para dar o tal start. É só o presidente eleito incorporar o papel de Rainha da Inglaterra (como lamenta quererem transformá-lo) e aí tudo caminha. Vamos poder finalmente virar uma página da nossa história.
Essa reviravolta e transformação do Brasil está sendo creditada, com justiça, ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e ao ministro Guedes. O Congresso resolveu agir e governar. O único aspecto lamentável dessa atitude é que, mais uma vez, foi usada a arma da velha política brasileira – tão contestada nos discursos eleitoreiros do atual presidente – do toma lá, dá cá. Ou seja, em troca dos votos dos deputados, o governo distribuiu R$ 2,7 bilhões para serem usados em seus “territórios” eleitorais.
Agora precisamos torcer, ou orar, para o presidente e seus rebentos tuitarem só as futilidades que os caracterizam, longe de questões políticas, econômicas, sociais, ecológicas ou humanas. Eles precisam ficar sem ofender parlamentares ou defender corporações. Calados e distantes, pelo menos alguns meses, para podermos ver alguns sinais de recuperação da atividade econômica.
A Reforma da Previdência não fará nem cócegas na situação de endividamento do Estado brasileiro. Ela terá efeito no médio e longo prazo. Precisamos é aumentar a receita. E isso não pode ser feito por meio da Reforma Tributária. Ela deverá vir no sentido inverso: para reduzir a carga de impostos sobre as empresas.
Vamos ter nos próximos meses que contar com dois fatores imponderáveis: esperança e expectativa. Esperança que a mão invisível do mercado entre em ação. Já estamos começando a vivenciar o clima de o pior já passou. Agregamos então uma pitada de expectativa de empresariado otimista em investir. E do lado prático: um Banco Central, auxiliado por uma economia travada que deixa inflação em baixa, disposto a fazer juros caírem.
O certo é que, cíclica e historicamente, essa fase irá passar. Nós não podemos continuar culpando governos passados, demonizando partidos, crucificando pessoas. Temos de seguir em frente. Temos de iniciar um longo caminho de reconstrução, de reintegração da dignidade aos brasileiros: emprego, distribuição de renda e o mínimo de justiça social só virão com uma economia em crescimento. Para isso precisamos ir muito além, mas muito além mesmo, do que esta Reforma. Temos de perseguir a Reforma Tributária, e lutar para que ela seja menos remenda costura.
* É jornalista, eleita Mais Admiradas de Economia/TV pela Mega Brasil, e hoje atua como apresentadora, debatedora e mediadora em eventos ou vídeos, além de realizar treinamentos.