Artigo: Plataformas políticas destruindo plataformas digitais
Por Ricardo Pereira de Freitas Guimarães*
Enquanto a binária e pueril disputa entre os ditos lados das plataformas políticas, uma sendo meramente assistencialista e a outra ultraliberal, que se bem compreendidas, representam, a real exclusão da classe trabalhadora, observamos milhares de pessoas tendo como única forma de sustento o trabalho desenvolvido em plataformas digitais, sejam de transporte de pessoas, de entrega ou de oferecimento de serviços das plataformas sob demanda e de multidão.
Aparentemente, e respeitosamente, nenhum dos eixos políticos estão realmente preocupados com as milhares de dezenas de famílias que estão a viver de referidos serviços, pois o esticar da corda diz respeito apenas a total liberdade do trabalhador (o que não se justifica enquanto realidade) e o restrito regramento estampado no contrato de emprego regido pela CLT para esse tipo de trabalho (o que também não se justifica de igual forma).
O que impressiona, de verdade, é a incompreensão absoluta de que: 1) o serviço realizado por meio de plataformas veio para ficar; 2) não se pode tratar todas as plataformas de igual forma pois possuem características próprias; 3) que não há vulnerabilidade ampla como se quer fazer crer de todos esses trabalhadores, como também não há independência total constatado no trabalho padrão de autonomia de serviços.
Contudo, tal qual uma enceradeira girando no seu próprio eixo, a discussão não se revela própria, posto que não busca as premissas históricas e da realidade dos modelos de trabalho ao longo do tempo. Nesse cenário, de guetos de pensamentos, o debate, o acolher de ideias, o ouvir os trabalhadores e os empresários é de um silêncio ensurdecedor.
Todos usam o Uber, o iFood, a Loggi, entre outras tantas plataformas, e sabem de sua importância no mundo da velocidade das informações, da mobilidade, e enquanto consumidores, as plataformas políticas, na condição de consumidoras, certamente, estão satisfeitas. Mesmo assim, se fecham em copas para não discutir o que mais importa, a saber: como podemos regulamentar de alguma forma referidos trabalhos, olhando para cada modalidade, seja de entrega ou de transporte de forma que possamos manter essas relações de trabalho dentro de um espectro social aceitável no presente e numa visão de futuro.
Apenas trazendo um único exemplo de transporte de pessoas, temos o Uber que está em mais de 1.500 cidades no nosso país, com mais de 30 milhões de usuários, que gera 2 mil empregos diretos no Brasil, realizou mais de 6, 7 bilhões de viagens desde 2014 e tem praticamente um milhão de motoristas credenciados. Apenas esses dados revelam que o trabalho realizado através de plataformas não irá se sustentar com discussões de guetos e plataformas políticas. Não há mais espaço para um país que realmente pense em desenvolvimento tentar encaixar num só quadro todos os seus trabalhadores.
A questão que não parece importar nas posições adotadas – e não nas discussões com seriedade que deveriam existir -, diz respeito exatamente “em que” tais trabalhadores seriam vulneráveis, de que modo a forma de prestação pode impactar a sociedade e o que seria possível fazer para dar algum equilíbrio à referida relação.
A importância dessa discussão se torna absolutamente relevante, pois ao contrário das alterações ocorridas pós fordismo e taylorismo, quando se inicia a horizontalização das empresas, em que se retira de dentro das empresas atividades específicas e essas atividades e postos de trabalho migram para essas novas empresas, na era presente, esses postos de trabalhos não migrarão, tendo em vista a necessidade de mão de obra especializada e da existência da inteligência artificial, que poderá dispensar, em breve, até mesmo a presença do motorista.
É preciso, então, a existência de uma discussão com o mínimo de seriedade, inclusive ouvindo os trabalhadores que atuam em tais circunstâncias, para entender os reais pontos de vulnerabilidade. Um desses pontos, certamente, é o recolhimento de contribuições previdenciárias, que deveriam, numa visão ampla, em regra ser de responsabilidade das empresas. Contudo, como antedito, devemos separar em faixas de necessidades e de vulnerabilidades existentes, pois não é possível enquadrar num mesmo modelo um motorista da Uber com um entregador de bicicleta, visto que claramente possuem necessidades e vulnerabilidades diferentes. De outro lado, e, novamente com imenso respeito, não parece ser o caminho ideal a propositura de ações civis públicas pelo Ministério Público do Trabalho buscando relação de emprego dessas pseudo categorias, tendo em vista que; 1) não há legitimação para isso por parte do MPT; 2) relações de emprego são desenhadas caso a caso com a prova dos seus elementos nos autos, não sendo possível, com todo respeito, o reconhecimento “em tese” pelo Poder Judiciário, pois há a necessidade da prova da pessoalidade e principalmente da subordinação em cada processo.
Infelizmente, no horizonte da ausência de discussões, sem o exercício do ouvir o outro, talvez as plataformas políticas vençam e teremos no nosso Brasil milhares de pessoas sem emprego, sem trabalho e sem previdência.
*É advogado especialista, mestre e doutor pela PUC-SP, titular da cadeira 81 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e professor dos programas de mestrado e doutorado da FADISP-SP.