As aparências enganam
Tia Nésia passara mal à noite, que fora mal dormida por culpa de um problema que tinha que enfrentar naquele dia: ir ao banco, no Centro da cidade, cobrir sua conta que estava no vermelho. Detestava ir ao Centro e principalmente ao banco, sempre cheio, perigoso, que não oferecia nenhuma comodidade aos velhos, como ela. A quem pedir ajuda, se todos da família estavam trabalhando? O negócio era enfrentar a situação, afinal, não seria a primeira vez que se arriscaria a ir ao Centro sozinha.
Fechou a casa, pegou sua bolsa e foi para o ponto de ônibus, que chegou quase em seguida. Durante o trajeto, foi pensando no que havia feito, para “estourar” sua conta, sempre tão controlada… No ponto da Sé desceu do ônibus e foi na mesma hora rodeada por crianças, que davam a sensação que a estavam esperando! Eram oito as tais crianças, sujas, encardidas e descabeladas, na faixa de oito a dez anos. Com toda certeza eram crianças de rua – pensou ela – e teve medo de estar sendo assaltada. No entanto, elas eram tão gentis e boazinhas que aquele sentimento foi afastado momentaneamente.
“Prá onde ocê vai tia?” – perguntou um dos mais altos. Tia Nésia pensou em mentir, dizer que ia à Catedral rezar, mas achou o cúmulo ter medo de crianças tão pequenas. Contou a verdade e eles se prontificaram a acompanhá-la, sendo que uma delas até perguntou: – “Quer que leve sua bolsa?” – o que a tia dispensou calmamente. Partiram então em direção ao banco, observados por transeuntes que olhavam com curiosidade para o inusitado cortejo.
Ao chegarem ao banco, tia Nésia agradeceu a companhia e quis despedir-se, mas um menino mais alto retrucou: “Nada disso tia, vamo espera ocê”. A volta para o ponto do ônibus foi espantosa! Os meninos brigavam para ficar junto a ela e uma das meninas chegou a dar-lhe o braço! Chegando ao destino, onde havia mais gente, tia Nésia tranquilizou-se e despediu-se. Um dos meninos pediu: ”Posso te dar um beijo, tia?”, o que deixou a velhinha emocionada! Todos lhe deram beijos, acreditem! Na hora do ônibus partir, um deles gritou na janela: – “Tia, não venha mais sozinha ao centro, que é muito perigoso”.
Maria de Lourdes Figueiredo Sioli
Cadeira nº 28
Patrono Diogo Antônio Feijó