As particularidades jurídicas da greve dos caminhoneiros
Por Paulo Sergio João*
Quando se fala em greve, sempre se cogita que o conflito da reivindicação de pretensões dos trabalhadores decorre de resistência pelos empregadores, envolvendo pleitos de natureza trabalhista. A greve, embora originalmente tenha surgido no campo do confronto entre assalariados e patrões, há muito abandonou esse quadro de exclusividade, e a expressão tem sido utilizada para identificar paralisação de atividades profissionais ou de prestação de serviços nos mais variados seguimentos que tenham por objeto a defesa dos interesses da profissão.
No Direito brasileiro, o exercício do direito de greve está assegurado no artigo 9º da Constituição Federal como um dos direitos fundamentais dos trabalhadores, os quais poderão, por meio da greve, defender os interesses que assim consideram devam ser defendidos.
A greve dos caminhoneiros tem particularidades jurídicas relevantes quanto ao seu enquadramento e forma de solução, além da questão fática relativa ao modo de organização e de união dos profissionais no âmbito nacional.
No caso da paralisação dos caminhoneiros, não se trata de greve de assalariados, hipótese em que se daria o enquadramento jurídico como greve típica. Ao contrário, cuida-se de massa de trabalhadores autônomos cuja motivação de reivindicação é a redução do preço de óleo diesel em razão de constantes reajustes, superando os índices de inflação e que comprometem o ganho dos profissionais que vendem transporte de carga.
Do ponto de vista jurídico, pode-se afirmar que se trata de uma greve profissional e política, porque os interesses estão voltados exclusivamente para redução de impostos e política de reajustes de preço de combustível. É, portanto, dirigida contra os poderes públicos para obtenção de reivindicações e que não são suscetíveis de negociação coletiva.
É a chamada greve política e social, sustentada juridicamente no artigo 9º da Constituição Federal.
Comparativamente ao modelo formal de organização sindical, o agrupamento de caminhoneiros revela que a reunião de trabalhadores por categoria fragmenta e impede o resultado de adesão ao movimento. Parece que o modelo de dependência de transporte rodoviário para escoamento de produtos e insumos, quase exclusivamente, facilita a organização e a imposição de reivindicações.
Não há uma organização que tenha motivado a paralisação, e, segundo o noticiário, a proposta de greve foi circulada em redes sociais e grupos de WhatsApp de motoristas caminhoneiros que conseguiram, neste episódio, por meio de comunicação de internet, uma assembleia virtual dos profissionais, independentemente do ramo de transporte (alimentos, combustível etc.), a união nacional de profissionais em torno da reivindicação. A representação classista da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) reúne a maioria dos sindicatos e, aos poucos, outros sindicatos de caminhoneiros juntaram-se aos protestos, como a Associação Brasileira de Caminhoneiros (Abcam) e a União Nacional dos Caminhoneiros do Brasil (Unicam).
Ao que tudo indica, não há prazo para terminar a paralisação e, se assim for, todos os demais setores da economia serão aos poucos afetados por falta de suprimentos de manutenção das atividades de rotina.
Trata-se de uma greve espontânea de insuportabilidade de custo em decorrência dos impostos atribuídos pelo governo aos motoristas caminhoneiros e que coloca em risco o nível de precariedade na condição de vida.
Os efeitos da greve dos caminhoneiros contaminam os diferentes setores de atividade econômica de modo indiscutível e afetam diretamente as obrigações trabalhistas internas, inclusive, em alguns casos, com a ausência de trabalho a ser executado, caso de frentistas de postos de gasolina, para ficar no exemplo mais imediato. Como se trata de situação excepcional, não poderá o empregado sofrer as consequências em seu salário, mas poderá o empregador exigir a reposição de horas no período de 45 dias, conforme disposição expressa do artigo 61, parágrafo 3º, da CLT.
A finalidade do movimento é de cunho protecionista de um setor de atividade, e, portanto, ainda que se possa considerar a greve política, ela tem natureza econômica e profissional e, desse modo, conforma-se no enquadramento jurídico do artigo 9º da Constituição Federal. Os efeitos da greve nos demais setores de atividade econômica deverão ser administrados por empresa de acordo com sua especificidade, quando possível.
*Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas.