Cegueira social

Por André Roedel

 

No ano passado o canal fechado FX lançou a primeira temporada de “American Crime Story”, uma série antológica baseada em crimes reais. E o primeiro caso abordado já é um dos maiores de todos os tempos: o julgamento de O.J. Simpson, ex-jogador de futebol americano e astro do cinema que foi acusado de matar a ex-esposa, Nicole Brown, e um amigo dela, Ronald Goldman.

O caso, ocorrido em 1994, ganhou repercussão mundial. Ficou conhecido como o “julgamento do século”. E a dramatização dele foi feita com maestria pelos produtores Scott Alexander e Larry Karaszewski. A série fica ainda mais interessante se, logo em seguida, você assistir – como eu fiz – ao documentário “O.J.: Made in America”, vencedor do Oscar neste ano.

Apelando para a questão racial por conta de O.J. ser negro e pelo histórico racista dos policiais de Los Angeles (onde ocorreu o julgamento), a equipe de advogados de defesa conseguiu induzir o júri a inocentar o réu – mesmo com todas as evidências reais e palpáveis, como sangue e material genético do ex-atleta encontrado na cena do crime. A absolvição gerou um misto de revolta dos brancos e alívio em parte da população negra, incendiando ainda mais a tensão racial da cidade e não colaborando para uma discussão mais ampla e necessária do racismo.

Tudo isso me fez traçar um paralelo com o atual clima político no Brasil e também nos EUA, e como algumas questões sociais e de defesa de minorias têm cegado boa parte das pessoas – principalmente as com posicionamento mais à esquerda. É só dar uma olhada rápida em sua linha do tempo no Facebook para se deparar com diversas “críticas sociais fodas” que levam a nada.

Recentemente, muito se discutiu sobre uma suposta “apropriação cultural” promovida por uma moça branca usando um turbante. Alguns integrantes do movimento negro disseram que era um absurdo, pois o adereço seria um símbolo da comunidade afro. Em meio a tudo isso, não consideraram um detalhe: a garota usava o turbante por estar careca devido a um tratamento contra o câncer. E, convenhamos, mesmo se fosse sadia ela tem o direito de usar o que bem entender.

Mas não é só isso. Circulando pelas redes sociais – esse oceano de informação com um centímetro de profundidade – você encontra muitos mais casos como esses. O paralelo com a série é: assim como o júri do caso O.J. Simpson, a população está ficando tão cega com certas questões sociais (muitas necessárias e importantíssimas, ressalto) que acaba deixando o “assassino escapar”, por assim dizer.

O humorista e apresentador americano Bill Maher tratou do assunto recentemente em seu programa. Ele expôs a hipocrisia de alguns democratas (e aqui dá pra fazer um comparativo com a esquerda brasileira), que acabam mais preocupados com questões como a “apropriação cultural” do que temas que realmente importam. “Enquanto vocês, idiotas egocêntricos, ficaram se policiando, um doido foi falando até chegar à Casa Branca”, disse, em referência à vitória de Donald Trump.

Aqui no Brasil a coisa não é muito diferente. Hoje a direita está no poder porque a esquerda está muito ocupada discutindo casos como o da menina branca com turbante. E, se as discussões reais não entrarem na pauta dessa esquerda pós-moderna e “lacradora”, o país corre sério risco de ver um doido subir a rampa do Palácio do Alvorada.

Não cometamos o mesmo erro do júri do caso O.J. Simpson. Claro que não podemos ignorar as mazelas sociais de nosso país e discuti-las é imprescindível. Porém, isso não pode ofuscar pautas mais urgentes e necessárias a ponto de cometermos uma grande injustiça – que, diferente do “julgamento do século”, não irá afetar só algumas pessoas, mas, sim, milhões de brasileiros.